Houve um rebuliço pouco comum no quarto do hospital. Pude jurar que outros médicos estiveram do lado de fora com a intenção de entrar para ver o que estava acontecendo, mas alguém, não sei quem, lançou um feitiço na maçaneta que os impediu de passar pela porta. Isso também era pouco comum, porque eu não vi uma única estrela ser retirada de qual bolso. Eu estava certo de que aquilo estava acontecendo não era para nos prender, e sim para prender a garota dentro do quarto. Isso seria bem a cara do meu irmão. Não querer perder a magia de vista.
De qualquer forma, nem eu e nem mais ninguém ali parecia estar engolindo o fato de que Raio tinha feito tudo aquilo só com o desejo de parar. Sem estrela, sem luz, sem palavras murmuradas. Ele precisava ver um médico. E um médico feiticeiro, porque parecia que sua magia intrínseca tinha se descontrolado, como se ele tivesse sete anos de idade e não dezenove.
Houve algum rebuliço antes de João enfim aceitar que Raio queria sair dali. Eu conhecia meu irmão muito bem para saber que ele odiava hospitais quase tanto quanto odiava Madrugada. Pelo mesmo motivo, eu também sabia, agora, que ele aceitaria a proposta da tal pousada, porque a garota claramente tinha algum tipo de ligação com o médico e, portanto, ela estaria próxima de nós se todos fôssemos para o mesmo local.
Eu estava com a ideia fixa de que a tal da Vitória era o que se poderia chamar de menina problema, mas não ia verbalizar isso. Um rubi no bolso da calça? Brilhando loucamente, emanando energia para todos os lados sem limite e ela não podia ver? Eu duvidava disso. Talvez não fosse capaz de ver o brilho, mas certamente viu o nosso súbito interesse.
Raio se mostrava impaciente, para variar. Ele queria sair de lá o mais rápido possível, e pouco o agradou quando o médico informou à secretária que ela deveria anotar algo na ficha dele. Algo como o registro de sua saída, ou algo assim. Meu irmão não era o tipo de pessoa que registrava os atos. Ele fazia as coisas sem comunicar a ninguém e talvez fosse por isso que nunca tínhamos sido presos.
A pousada era grande, ou pelo menos maior do que eu havia imaginado. Tinha três andares, seis quartos em cada um. Lua Cheia e Solar se acomodaram no de número 21, e eu, Raio e Lâmpa no de número 22, bem de frente para o quarto delas. Notamos que a tal da Vitória, o João e a mulher que estava no balcão quando chegamos – que inclusive era espantosamente parecida com a garota do rubi, tendo os mesmos cegantes olhos azuis e os mesmos cabelos negros – se dirigiram ao último andar, provavelmente indo dormir depois de muito tempo em claro. Deduzi que aquilo se devia ao fato de que a menina quebrara o braço.
– Álcool – disse Lâmpa, conjurando uma garrafa de plástico do que acabara de pronunciar. – Vamos tirar esses pontos agora – ele continuou, debruçado sobre a bancada ao lado da porta. Estava de costas para mim e para meu irmão, mas nós sabíamos que ele estava falando conosco. – Vai infeccionar se não fizermos isso. Sua magia vai começar a expulsar a linha com ataques, e se não ajudarmos, isso aí vai ficar um horror.
Ele se virou, a estrela-mágica em uma mão, a garrafa branca de plástico na outra. Despejou boa parte do líquido sobre a estrela pontiaguda, fazendo o álcool se derramar aos montes no carpete cinza do quarto. E então Relâmpago se aproximou do meu irmão,
O aposento, em si, era pequeno. Havia um armário grandioso de madeira e um banheiro. Um beliche e uma cama de solteiro ladeavam a única janela, que estava tampada com cortinas de cores claras. Raio dormia em uma das camas, o rosto indecifrável. O carpete, cinza, estava tão limpo que quase parecia branco..
– Ah, sim, mal posso esperar – disse Raio, com sarcasmo. Ele se sentou, encostando-se na parede. – Já disse que a Madrugada é uma... ?
– Já – eu o interrompi, evitando o xingamento. – Umas trezentas vezes, acredito eu – comentei, levantando-me da cadeira que ficava ao lado da cama de meu irmão e me aproximando dele também.

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Caçadores de Tempestade
FantasyÉ sabido que um portal feito de fogo separa o mundo que conhecemos do mundo de Eulária, uma realidade alternativa composta por cinco reinos e governada pelo corrupto e deturpado Conselho Mágico. Cansados da corrupção declarada do Conselho, cinco jo...