Padre Antônio III

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Antônio encontrou o pai de Júlio na horta em frente à sua casa, enxada em mãos. O padre pensou em acenar à distância, anunciando sua visita inesperada. Mas havia algo estranho na figura daquele homem magro, chapéu de palha, bigode cheio, olhos vazios.

Ao se aproximar, o padre pôde observar melhor o homem. José, o pai de Júlio, parecia congelado no tempo. Sequer piscava e seus olhos avermelhados lacrimejavam: único indício perceptível de vida naquele corpo.

- Seu José? - Chamou o Antônio, passando a mão na frente dos olhos do homem-estátua.

O camponês fechou os olhos, piscou algumas vezes e encarou o padre.

- Bom dia, padre Antônio! O que o traz por essas bandas? - Disse José, como se nada tivesse ocorrido.

- O senhor está bem? - Perguntou Antônio.

- Graças ao Cálice! Só esta maldita alergia que continua me pegando. Deve ser o tempo seco - respondeu José, limpando as lágrimas no braço da camisa.

- E a família? - Perguntou o padre, tentando olhar dentro da casa sobre os ombros de José.

- Eu acho que sei o motivo da sua visita, padre. Fico muito agradecido com sua preocupação. Mas garanto que a gente não estava no festival na hora do incêndio. Está todo mundo bem aqui, graças ao Cálice.

Antônio pensou em explicar que a visita não tinha relação direta com o incêndio no festival, mas um detalhe chamou sua atenção.

- O senhor tem certeza disso? Seu filho Júlio não foi ao festival?

- Não, senhor! Aquele peste está de castigo.

- É? O que ele aprontou desta vez? - Disse o padre, se esforçando para manter a casualidade daquela conversa.

- Ele agora deu para falar maluquices, imagine o senhor. Coisa de moleque.

- Que tipo de... maluquice?

- Bobagens de todo tipo, padre. Nossa casa é assombrada, o irmão é um pandoriano, o mundo vai acabar. Essas coisas de quem não tem o que fazer.

Antônio sorriu amarelo.

- Sua esposa está em casa? Na verdade, estou aqui para pedir a ajuda dela no esforço de reconstrução do festival.

- Da Maria? E como a Maria vai ajudar? Ela é cozinheira. Se o senhor quiser, eu posso ajudar com mão de obra.

- Graças ao Cálice, temos bastante gente trabalhando na reconstrução do pavilhão, obrigado. Mas o desafio é justamente alimentar essas pessoas todas, agora.

José balançou a cabeça.

- Ah, sim. Tá certo. Bom, a Maria está lá na cozinha. Fique à vontade. A casa é sua, padre.

- Que o Cálice o abençoe, meu filho. - Disse o padre, para depois caminhar em direção à porta.

Antes de entrar, Antônio voltou-se para observar José. O camponês havia voltado ao seu estado de catatonia, olhando para o nada, enxada cravada na terra.

A casa humilde, feita de barro e bambu, tinha basicamente dois cômodos, o primeiro fazia as vezes de cozinha. Antônio encontrou um fogareiro sob uma panela quase vazia de água fervente e uma mulher de meia idade, congelada no tempo, segurando uma colher de pau, olhando para o nada, lágrimas caindo dos olhos imóveis.

- Não acorde a mamãe, padre - disse uma voz de criança, que fez Antônio pular de susto.

- Júlio, que susto! O que está acontecendo aqui? - Perguntou o padre, com a mão sobre o coração disparado.

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