Ekene III

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O alarme do vigia soou como música para o corpo exausto de Ekene. A tribo sabia do seu retorno. Em pouco tempo, vários conterrâneos o cercaram. Ele e o estranho Lundu foram levados a Themba, o feiticeiro dos Jutan. Mais que o alívio e a sensação de dever cumprido, o que enchia o coração de Ekene é a certeza de que Beluah estaria lá, esperando por ele.

Beluah encontrou o marido na entrada da aldeia, trazido em uma maca carregada pelos soldados da guarda Jutan. Recebeu-o com um sorriso e uma lágrima e encaminhou Ekene e seu misterioso convidado para os leitos na tenda dos feitiços. Beluah era alta para os padrões da tribo e seu cabelo armado a fazia maior ainda. Sua gravidez ainda era discreta, mas ela já reluzia a alegria da maternidade no sorriso de marfim e nos grandes olhos negros como a pele.

Ekene acordou com o toque frio e úmido de um pano molhado enxugando seu suor.

- Você tem um conceito muito estranha de carne de caça. - Sorriu Beluah.

- É, aconteceram coisas. - Sussurrou Ekene.

O caçador olhou para o homem desacordado no leito ao lado.

- Ele vai ficar bem. Quase um milagre, mas vai. - Tranquilizou a esposa. - O que você tinha na cabeça? Insolação? - Sussurrou.

- Você vai precisar confiar em mim. - Respondeu Ekene.

- Eu escondi os trapos da farda. Não acho que os guardas tiveram tempo de identificar seu convidado - disse Beluah - mas ele vai acordar. E vai ser difícil manter seu segredo.

- Eu vou pensar em algo.

- Nós vamos. - Sorriu Beluah. - O importante é que você voltou.

Quando Themba chegou, já encontrou os dois pacientes acomodados em leitos paralelos e sua aprendiz já preparava o emplastro para limpar ferimentos e estancar sangramentos dos pacientes.

- Para uma aprendiz de necromancia, até que você domina as técnicas para evitar a morte. - Ironizou Themba.

- Aprendi com o melhor. - Sorriu Beluah, num exercício de bajulação.

- Esse osso partido no braço do seu marido vai precisar ser imobilizado. Esse tipo de fratura pode encerrar a carreira de um caçador.

- Meu outro braço é tão capaz quanto esse. E metade do meu trabalho ainda é o dobro de muito caçador novato nesta tribo. - Respondeu Ekene.

- Esse é o espírito! - Elogiou o feiticeiro. - E por falar em espírito, quem é o seu convidado?

Ekene e Beluah se entreolharam e a mulher apressou-se na resposta.

- Não sabemos ao certo. Não tinha nenhuma identificação. Talvez quando ele recobrar a consciência...

- Me perdoe, Beluah. Não quero soar rude, mas eu perguntava ao seu esposo. - Interrompeu Themba.

- Mulheres. - Comentou Ekene, com um sorriso amarelo.

- Você dizia?- Insistiu Themba.

- Eu estava caçando e vi três kongamotos sobrevoando uma área na planície. Achei que poderia ser uma carcaça, algo útil. Quando cheguei lá, vi esse homem. Achei que ele estava morto e ia me retirando. Aí as cobras me atacaram. Levaram meu cão e quase acabaram comigo. Só depois eu vi que ele estava vivo. Achei melhor trazê-lo para o senhor cuidar dele. - Explicou Ekene.

- E você sabe algo sobre ele? - Perguntou Themba. Certamente não é um dos nossos.

- Não mais que o senhor. - Desconversou Ekene.

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