Kenji não se despediu do avô. Juntou uma trouxa com roupas e alguns pedaços de charque. Levou seu tridente. Deixou o melhor peixe que conseguiu naquela madrugada sobre a mesa da cozinha. Uma espécie de obrigado e de prova final.
Duas noites depois, o garoto encontrou o acampamento mambembe, dois vilarejos ao norte de Okinawa. O bilheteiro parecia não acreditar.
- Achei que você tinha morrido da última vez, garoto - resmungou o senhor magricela, de óculos redondos e kimono lilás - quem sabe dessa vez você consegue.
- Eu preciso de um emprego. - Disse Kenji.
- Acho que a pancada foi pior do que eu pensava.
- Eu faço de tudo. Qualquer coisa. Por favor.
- Vai embora, garoto. Próximo. - Disse o bilheteiro, afastando Kenji com um gesto displicente.
Mas Kenji não foi embora. Depois das apresentações daquela noite, as lamparinas foram apagadas e o garoto ainda estava lá. O bilheteiro tentou enxotá-lo novamente, mas Kenji fez como o avô ensinou: baixou os olhos e se manteve impassível.
Até que Golias foi chamado para conversar com o garoto.
- Você está muito longe de casa, guri. - Disse o gigante, sentando-se ao lado de Kenji. Mesmo sentado, Golias era enorme.
- Eu moro aqui, agora.
- Aqui? Vai dormir onde? No relento?
- Até eu conseguir um espaço na tenda.
- A tenda é pra quem trabalha.
- Eu sei.
Golias respirou fundo.
- Olha, guri. Teimosia não é coragem.
- Não é teimosia. Vocês têm pouca gente e muito trabalho. Eu posso ajudar.
- E a gente não pode pagar.
- Duas refeições e um lugar pra dormir. Eu como pouco e sou pequeno. E não tem serviço que eu não faça.
- Mas por que? O que você ganha com isso?
- Tem uma coisa que eu quero.
- Sabia.
- Uma luta por mês. Contra você.
Golias riu alto.
- Se você acha que eu vou te deixar ganhar só porque você limpa nossas comadres, você...
- Não quero ganhar. Não quero que você pegue leve comigo. Eu só quero a chance de lutar com você. Uma vez por mês. Por favor.
- Sabe que eu posso machucar você, guri? De verdade?
- Sei.
Golias olhava para Kenji, tentando entender.
- Eu vou falar com o chefe. Não garanto nada. - Disse o gigante.
Kenji sorriu e adormeceu assim que Golias se retirou. O garoto usou um casaco velho como manta e dormiu sob a noite fria, satisfeito por ter tomado a vida pelas rédeas.
Kenji é o quinto personagem de Guerreiros de Vera Crux, uma fascinante visão do Brasil num universo de fantasia. A cada dia, um novo capítulo desta saga chegará até você. Para não perder nenhum episódio, siga nossa página, dê uma estrelinha e conte o que você mais gostou (ou não) e como podemos fazer sua leitura ainda melhor. O time da Toska Literatura quer conversar com você! ;)
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Guerreiros de Vera Crux
FantasyImagine um mundo onde monstros e demônios caminham entre nós. No Japão, pelos confins da África e até no coração do pantanal, a humanidade luta contra forças além de sua compreensão. Acompanhe as aventuras dos guerreiros deste universo paralelo, en...