Mirá - Parte VI

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Quando Mirá acordou, não havia sinal da aparição. O céu púrpura anunciava o sol. Merlin, sentado ao seu lado, parecia meditar. A duas adagas permaneciam cravadas no chão. Relva queimada reproduzia os contorno de um ser humano, cabeça ao redor das lâminas.

- Meus parabéns. Você derrotou uma Jiang-Shi - disse Merlin, sem abrir os olhos -, estas criaturas se alimentam da tristeza alheia. Quanto mais consome, mais produz. Suas vítimas geralmente se suicidam. Basta uma criança solitária para que ela se estabeleça e escravize toda uma comunidade. Mas agora acabou. Você salvou sua tribo.

- Os grãos brancos? Mágica?

- Arroz. Um cereal popular no oriente, de onde os Jiang-Shi vêm. É o seu ponto fraco, um apelo à sua falida humanidade.

- Eu não entendo...

- Tem que ser feito por uma vítima, para desorientar seus sentidos. Além do mais, eu não posso destruir um pandoriano pessoalmente. Parte da maldição. Mas você fez um ótimo trabalho.

Mirá olhou para o galho de onde Tikuna se enforcou.

- O espírito reconheceu você. - Comentou Mirá. E então ela entendeu.

- Sinto muito. Tikuna era perfeita. Eu observei vocês por algumas semanas antes de tomar a decisão. Mas eu logo percebi que o amor de vocês seria um empecilho. Sem sofrimento não seria possível atrair a criatura. Eu usei mágica para conduzir a anciã até vocês.

Mirá sentiu o coração disparar e os lábios tremerem.

- Eu imaginei que o distanciamento de vocês seria suficiente para preencher o coração de Tikuna de angústia e atrair Jiang-Shi. Ela se mostrou disposta a colaborar para libertar a aldeia. Mas, quando a criatura surgiu, a garota não conseguiu se libertar. Ela não me ouvia. Eu tentei salvá-la, mas foi tudo muito rápido. Ela se enforcou no Salão dos Mortos algumas horas depois.

- Por que você não impediu? - Perguntou Mirá, em prantos.

- Eu tentei, mas foi inútil.

- Mas, espere: você disse que ela morreu no Salão dos Mortos?

- Sim. Mas eu trouxe o corpo para cá porque sabia que você a encontraria mais rápido. - Disse Merlin.

Mirá sentiu um buraco se abrir no seu peito as lágrimas quentes escorrerem no seu rosto. Ela gritou com uma fúria que não sabia ter. Nem percebeu quando agarrou as adagas do chão e começou a golpear as costas de Merlin.

- Sinto muito. - Disse o mago, aparentemente alheio aos ataques ao próprio corpo.

Mirá sentiu cada músculo no seu corpo se contorcer num espasmo. Ela soltou as adagas e caiu no solo, em convulsão. Merlin se levantou lentamente e Mirá pode ver os rasgos nas costas de Merlin se fecharem magicamente. Até sua túnica se regenerou.

- Eu lamento tudo que você teve que viver. Lamento a dor que causei. Eu sei que você quer me matar. Se servir de consolo, nós buscamos o mesmo objetivo. Fique em paz, Mirá.

A jovem continuava a convulsionar no chão quando uma canoa vazia surgiu na curva do rio e, como se pilotada pelo vento, posicionou-se na margem. Merlin subiu a bordo e deitou-se, como em um sarcófago. Somente seus dedos brancos, magros e enrugados permaneceram de fora, tocando a água. E a canoa desapareceu rio acima, contra a correnteza. 




Mirá é a primeira personagem de Guerreiros de Vera Crux, uma fascinante visão do Brasil num universo de fantasia. Toda quinta-feira, um novo capítulo desta saga chegará até você. Para não perder nenhum episódio, siga nossa página, dê uma estrelinha e conte o que você mais gostou (ou não) e como podemos fazer sua leitura ainda melhor. O time da Toska Literatura quer conversar com você! ;)

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