Capítulo 01

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Depois que Carina entrou no vagão, surrupiou, tentando se equilibrar e passar por baixo dos braços de estranhos, até encontrar um lugar confortável o suficiente para que não precisasse se segurar quando o trem parasse ou avançasse. Tentou, porém, não conseguiu. Ela sabia o quanto era difícil se acomodar em algum assento ou, simplesmente, segurar em uma barra de metal, nas manhãs de sextas-feiras. Todos estavam ansiosos para cumprir suas últimas horas de trabalho e descansar, até toda a rotina recomeçar dali a dois rápidos dias.

Espremida entre uma barra de metal – onde se segurava – e um garoto que carregava inúmeros livros, Carina pegou-se pensando que não era, de fato, tão ruim ir para a faculdade de metrô. Ela sempre pegava aquele mesmo vagão – o terceiro, depois do grafite de asas de anjo –, sempre acabava presa entre as pessoas e nunca encontrava um assento vago, porém, cada pessoa que viajava pelos mesmos trilhos que ela, tinha uma história diferente a ser contada. E era isso que Carina mais gostava.

Ela gostava de observar as pessoas. Gostava de imaginar como seria a vida de cada uma delas – mesmo que errasse em suas tentativas. Era isso que Carina, achatada entre a barra de metal na qual se segurava e o garoto que carregava os livros, fazia naquele instante.

Carina o nomeou. Em sua cabeça, o garoto dos livros pesados se chamava Vinicius. Isso fez com que toda a vida imaginária que estava se desenrolando em sua cabeça, começasse a ganhar forma.

Observando os títulos dos livros que Vinicius carregava, Carina teve certeza que ele era um leitor apaixonado por ficção. Ele devia ter pegado aqueles volumes antigos na biblioteca de seu colégio, onde a bibliotecária brigou com ele por quase ter gritado de alegria ao encontrar os livros de seus autores favoritos em sua própria escola. Depois, Vi44nicius pegou todos os livros que conseguiu carregar, preencheu o cartão de retirada para aquela bibliotecária chata e saiu correndo, desviando das pessoas e dos carros para conseguir pegar aquele metrô e não se atrasar.

Isso explicaria o porquê de ele estar tão ofegante, pensou Carina.

Para ela, ele tinha cara de quem era desleixado com tudo, que não se importava com muitas coisas, mas que, ao mesmo tempo, era cuidadoso com livros. Era contraditório, ela sabia, mas era isso que sentia quando admirava as sardas do suposto Vinicius.

Carina piscou quando precisou segurar com mais força na barra de metal por causa do impulso que sentira na parada. As portas laterais se abriram, então novas pessoas começaram a entrar no vagão e outras a sair do mesmo.

Ela reparou que Vinicius segurava os livros com mais força quando notou as juntas de suas mãos ficarem brancas. Ele se endireitou e saiu do vagão, assim como fizeram as outras dezenas de pessoas.

Por um quarto de segundo, Carina se viu em um espaço maior, então aproveitou para posicionar melhor sua bolsa de couro caramelo e afastar sua franja dos olhos. Um milésimo depois, ela foi, novamente, pressionada por outras pessoas.

Suspirou, querendo mais espaço, mas parou de reclamar quando lembrou que aquelas novas pessoas que a deixavam sem espaço para respirar guardavam suas próprias histórias imaginarias e ela poderia desvendá-las.

Ela focou seus olhos em uma garota que estava encostada do outro lado do vagão. Ela tinha cabelo cacheado e pele morena, que reluzia quando as cores da tela do celular mudavam. A garota tinha uma das mãos dentro do bolso do casaco azul e, com a outra, mexia no celular, entretida em uma conversa, talvez, Carina supôs.

Enquanto criava uma vida baseada em suposições para a garota que havia sido nomeada por Laura, Carina flagrou-se entretida ao saber que, normalmente e provavelmente, não acertava em suas imaginações.

Talvez a suposta Laura não estivesse conversando com alguém por mensagem, assim como supôs Carina, talvez só estivesse checando suas redes sociais.

Mas era essa a graça para Carina. Ela podia criar novas vidas e novas histórias com o que fazia, podia inventar novas chances para aquelas pessoas, podia espantar problemas e gerar soluções. Ela conseguia fazer com que tudo em sua mente, no final, desse certo, criando um destino melhor para seus respectivos personagens.

Era apenas a sua conturbada imaginação criando finais felizes para pessoas que talvez nunca o teriam.

Quer dizer, talvez o garoto dos livros nem gostasse de ler.


Talvez - Giovanna VaccaroWhere stories live. Discover now