LUKE

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Denver, Colorado
2015

No dia seguinte, Michael parece estar com raiva de mim. Não que eu tenha notado isso por sua expressão facial, pois ainda não o encontrei, mas posso prever que ele me ignorará o dia todo, exatamente como fez ontem depois de nossa pequena briga desnecessária. Quer dizer, ele não exatamente me ignorou, já que não nos vimos mais depois daquilo, porém estou certo de que sua ausência foi proposital. Assim como ele possui o dom de esbarrar comigo sem querer durante as trocas de aulas, também sei que ele possui o mesmo dom quando se trata de desaparecer.

Por isso caminho pelos corredores consideravelmente vazios com um pensamento em mente: tenho que me preparar para uma possível discussão. Sei que Calum me disse para deixar para lá, mas apenas não consigo; Michael pode ser realmente irritante às vezes e, querendo ou não, tem de ouvir algumas coisas.

Pode parecer que estou levando tudo à sério demais, mas o que acontece é que Michael sempre briga comigo e me faz parecer o grande vilão do conto de fadas em que ele pensa que vive, porém, na verdade, ninguém vê o quanto ele é insistente quando se trata de mim.

Continuo a caminhar e tento tirar Clifford de meus pensamentos, afinal, não quero ficar obcecado com essa história boba. Tudo pode voltar ao normal a qualquer momento quando se trata dele. Sempre imprevisível, sempre fazendo o que quer. Por isso não devo me preocupar; assim como devo me preparar para o furacão, devo sempre estar pronto para uma brisa suave.

Conecto os fones de ouvido no celular e vejo o burburinho dos poucos alunos que já começam a falar alto se tornar abafado. Aumento o volume para que apenas ouça a voz de Tyler Joseph – o que com certeza é muito melhor do que ouvir as garotas do primeiro ano espalhando fofocas umas sobre as outras em um ciclo vicioso de pura falsidade. Batuco a ponta dos dedos em minhas coxas enquanto ando, resistindo à vontade de cantar até chegar a meu armário.

Pego os livros de química e literatura para não ter de voltar a este corredor na troca de aulas. Sinto alguém cutucar algum ponto próximo a minha cintura e ouço uma voz, mas não compreendo o que diz pela altura em que minha música soa. Fecho a porta do armário e viro-me, vendo Michael com um sorriso grande em seu rosto. Seus olhos verdes brilham ao me encarar.

– Olá, Luke – ele diz com entusiasmo e, desta vez, entendo, pois paro a música antes que Clifford possa dizer algo.

– Oi – respondo, atordoado por seu repentino entusiasmo que parece ter vindo de uma hora para a outra. – Chegou cedo.

– Não é? Eu consegui dormir pelo menos oito horas direto e acordei na hora certa!

– Incrível.

Ele sorri mais uma vez e parece que sua boca pode rasgar a qualquer momento. Sinto-me como se o próprio Coringa estivesse me encarando, contando uma piada mortal para sua próxima vítima. Credo. Afasto o pensamento e forço-me a dar um sorriso desconfortável.

– Não está bravo comigo? – pergunto, cauteloso.

Ele caminha ao meu lado dando pulinhos. Deixo que segure minha mão de forma infantil enquanto solta uma gargalhada.

– Claro que não. Por que eu estaria?

Tudo bem, Michael realmente parece uma criança que acaba de sair de um filme de terror: matando pessoas e depois soltando risadinhas como se nada houvesse acontecido. Inocência sempre soa desconfiante demais para mim e Clifford me olha exatamente assim – lábios aparentando ainda mais vermelhidão, preenchidos por um sorriso infantil e um dedo próximo à boca de forma pensativa; os olhos grandes estão cravados diretamente nos meus.

blurry • mukeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora