Capítulo 16 - Implosão

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A noite estava agitada no plantão do Hospital Ponte Belo, o que, de certa forma, era uma benção para Murilo que nem em bênçãos acreditava de verdade. Mas com tanto trabalho para fazer, ele não precisava ficar pensando até que achasse que seu cérebro pudesse explodir. Porque era isso que ele sentia, ele sentia que a qualquer momento essa explosão aconteceria (e não só do seu cérebro).

Mas como boa sexta-feira com muitas festas de república acontecendo ao mesmo tempo, provavelmente festas para calouros, ninguém que estava no hospital podia se dar ao luxo de parar. Em duas horas ele havia atendido tantas pessoas – a maioria com princípio de coma alcoólico – que ele nem conseguira contar.

O problema é que, vez ou outra, havia um espaço de tempo entre um atendimento e outro, e aí, como era incontrolável, o pensamento vinha em sua cabeça e ficava ali, perambulando, dando nós, enlouquecendo-o como ele achou que já havia parado de enlouquecer. Mas claro que não, claro que Isadora continuaria tirando-o do eixo. Não importasse quanto tempo passasse, ela sempre seria a senhora da sua sanidade.

Pena que não uma senhora boa. Pena que não uma senhora que merecesse amor ou compreensão. Isadora despertava-lhe tudo o que ele tinha de pior, acordava seus demônios, sufocava-o em seus medos, com um sorriso sádico no rosto. O mesmo sorriso que sempre aparecia em seus pesadelos durante a noite.

Era incrível como uma pessoa podia ser tão nociva. Como algo que tinha tudo para ser bonito podia fazer tanto mal. Era incrível como ele, que sempre se gabou pelo autocontrole, ficava subjugado ao poder de outro. Pior, de outra. Era de enlouquecer mesmo. De raiva.

Murilo só nunca conseguiu definir se a raiva que sentia era dela, por lhe causar tudo aquilo. Ou dele mesmo, por se deixar ser afetado daquele jeito por uma pessoa que nunca mereceu nem um pouco de consideração.

Ele entrou na sala da equipe para servir-se de café. O relógio na parede marcava três da manhã e ele quase sorriu diante da ironia. Três da manhã, o horário do anticristo. Um excelente horário para se pensar em tudo que Isadora fez em sua vida.

Quem a via com aquele sorriso e aquele olhar angelical jamais desconfiaria do demônio que carregava em seu corpo. Da escuridão de sua alma. Até hoje Murilo ainda duvidava. Claro, ele havia se convencido disso quando ela sumira de sua vida. Mas era impossível manter a mesma convicção quando podia ver realmente o ar ingênuo que ela ainda mantinha.

Isadora foi a pior pessoa que Murilo conhecera em sua vida.

Pior do que seu pai, e Murilo nunca achou que isso fosse possível.

Só de olhar para Isadora ele já sentia as mudanças de seu corpo: o coração acelerado, a necessidade de inspirar mais ar, a transpiração da mão, a boca seca. Por muito e muito tempo ele associou isso a paixão. Mas não mais. Não agora. Não depois de tudo. O que ele sentia não podia ser amor.

Ele preferia uma tortura do que descobrir que amava Isadora.

Murilo arqueou a sobrancelha enquanto enchia o copo com café, porque, de certo modo, o que ele estava vivendo era uma tortura.

— Santo Deus! – Evandro abriu a porta num movimento só, soltando um suspiro logo em seguida – As pessoas não vão parar de passar mal?

— Não dá para controlar isso, não é mesmo? – Murilo resmungou.

— Eu vou enlouquecer!

Murilo deu de ombros e sentou-se na cadeira, bebendo seu café com calma. Havia energia demais dentro dele, querendo sair, querendo uma reação química para explodir, e ele precisava manter a calma de algum jeito para queimar o combustível que ardia dentro dele.

Feridas Profundas (HIATO)Where stories live. Discover now