Capítulo 4 - Belo Desastre

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Foram mais de seis horas de operação em que Murilo manteve-se em pé, concentrado, a mão firme, fazendo o que lhe era possível para salvar a vida do paciente. Acidentes como aquele, em que a moto ia de encontro direto a um veículo maior e mais forte, eram sempre complicados de reverter a situação. Especialmente com traumatismo craniano.

Infelizmente, era uma coisa que acontecia muito na cidade de Ponte Belo. Como ela havia sido construída em volta do trevo, ligando duas rotas diferentes no meio de uma estrada, o tipo de atendimento mais comum que chegava ao Hospital eram acidentes. Somava-se a geografia de uma cidade entre estradas, montanhas e péssima sinalização, o fato de que os motoristas, de um modo geral, dirigiam muito mal.

O crescimento da universidade também não facilitara as coisas. Mais jovens, mais bares, mais pessoas bêbadas atrás de um volante, mais descuidos, mais acidentes, mais trabalho pros médicos e paramédicos, mais mortes.

Murilo nunca entendeu porque haviam tantos transgressores no volante. Principalmente numa cidade que não tinha nem cem mil habitantes. Não era para as pessoas serem tão ruins assim. Tudo bem, ele tinha de admitir, as ruas estreitas, o calçamento do interior, a péssima engenharia de trânsito, tudo isso contribuía. Mas não era só isso. Era quase como se os habitantes sentissem prazer em avançar sinais, brincarem de rachas nas ruas da estrada que cortavam a cidade, esquecerem-se dos cintos de segurança.

Não era por um acaso que era necessário manter um traumatologista na equipe. Junto com a especialidade de Murilo (cirurgião-neurologista) essa era a parte do hospital mais requisitada. O rapaz recém operado, se sobrevivesse, iria precisar de um bom acompanhamento ortopédico por muitos meses.

Se sobrevivesse. Murilo não tinha certeza. A sua cirurgia havia sido um sucesso e ele conseguiu extrair o coágulo com louvor, mas cirurgias cerebrais nunca eram tão simples assim. Ele sabia que a recuperação do paciente era uma coisa que já não estava na sua mão. Tudo o que ele poderia ter feito ele fez. E estava exausto.

Ele soltou um suspiro enquanto tirava as luvas e a enfermeira retirava dele as roupas de cirurgia. Quando acabou, por fim, e higienizou as mãos novamente, e pode ganhar o corredor do hospital, ele ficou até feliz por respirar o ar mais leve e frio fora da sala fechada que passara por horas em pé.

— Foi uma boa operação – disse Evandro ao seu lado., outro médico cirurgião, que o assistiu na operação.

Evandro também era o melhor amigo de Murilo na cidade. Os dois chegaram quase juntos ao hospital e acabaram por se aproximarem por causa disso. Murilo não era muito de fazer amigos, mas o jeito irônico de Evandro, sem ser tão pretensioso ou ocioso como Daniel, acabara rompendo as barreiras que ele construíra para se manter longe das pessoas.

— É, foi. – ele soltou outro suspiro – Mas estou exausto.

— É bom saber que você cansa, cara.

Murilo revirou os olhos, atravessando o longo corredor. Ele não sabia se havia sido o fato de que tinha virado em um plantão na noite anterior, a chegada de Isadora – mais forte, mais mulher e ainda assim a Isadora que ele conhecera – ao hospital ou as horas na cirurgia. Era possível que as três coisas juntas.

— A família dele foi localizada? – perguntou

— Universitário. Chamamos a psicóloga pra ligar para a família enquanto Dan te encontrava. É possível que ela já tenha feito o contato.

Murilo virou o corredor e deu de cara com a psicóloga perto da porta que separava a parte mais interna do hospital com a recepção. Os dois trocaram um longo olhar. A morena, dos cabelos lisos até o ombro, arqueou a sobrancelha para ele.

Feridas Profundas (HIATO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora