Capítulo 15 - Amar É Machucar

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Isadora bem que podia ouvir o "avisei" de seu irmão, embora estivesse há quilômetros de distância dele e Ítalo ainda não soubesse da novidade. Ela nem queria imaginar quando ele descobrisse, para ser bastante sincera, porque não queria ouvir a chuva de lição de moral naquele tom escandaloso do caçula, como quem diz, sem esconder que estava mesmo dizendo e sentindo prazer nisso, que ele sempre soubera que seria assim que ela terminaria.

Assim, revivendo mais fantasmas do que achava que iria aguentar.

Quando Isadora decidiu ir para Ponte Belo, ela tinha certeza de que tinha colocado no papel todos os riscos que correria, e que não seria pega por nenhuma surpresa. Dessa vez, ela não era uma garota ingênua perdida nos corredores de uma grande universidade. Isadora era uma médica grande, consagrada, com mérito, títulos e recomendações de grandes nomes dentro da parte clínica. Ela podia até mesmo estufar o peito ao pensar que estava na lista dos dez melhores cardiologistas do Brasil, o que era uma façanha e tanta. E agora Isadora já sabia o que Murilo era capaz de fazer.

Ela não aceitou o trabalho só porque o hospital pagaria muito bem a ela, ou porque a vida tranquila do interior poderia trazer um pouco de paz para Isis, ainda tão rebelde com tudo o que estava acontecendo em sua volta. Isadora não aceitou o trabalho só pelo prazer de reencontrar Murilo e esfregar, na cara dele, com um sorriso sádico no rosto, que diferente de tudo o que ele a fez acreditar quando estava com ela, ela havia conseguido tudo o que sonhara ao seu lado.

Precisou ficar longe dele, é verdade, e talvez fosse isso que a motivou, primeiro, a voltar para encará-lo. Só para dizer para ele que ele estava errado. Que ela era inteligente. Que ela era boa. Que ela não precisava das muletas que ele oferecia para conseguir qualquer coisa. Que ela, inclusive, se sentia feliz. Mais feliz do que sequer um dia ela foi ao lado dele. Isadora não gostava das outras motivações que a fizeram mudar toda sua vida e abandonar uma carreira num grande hospital por um menos prestigiado, porque não se sentia muito orgulhosa de nenhum deles.

Ela quis voltar para se vingar. Mas também, e essa era a pior parte, quis voltar para ver se realmente o havia esquecido. Porque era fácil dizer que sim quando não era obrigada a encará-lo ou lidar com o jeito maluco de Murilo. Mas era muito difícil manter essa mesma convicção quando ele estava perto e sentia, a cada ondulação de sua voz, tudo o que só ele, até então, conseguia lhe causar – desde as coisas boas até, é claro, o universo de coisas ruins que ele havia lhe apresentado.

Amar era difícil.

Era incrível pensar que, ao sair do apartamento que dividia com ele, nove anos atrás, perdida e sem saber como seria sua vida dali em diante, ela achasse que amar era fácil e era ele quem complicava as coisas. Tornar-se mãe, sem nunca ter programado isso, mostrara a ela como amar talvez fosse a coisa mais difícil do mundo. Como era difícil cuidar, sem machucar, sem se intrometer demais, sem drenar o outro para que ele se tornasse aquilo que seria melhor para si próprio, anulando-o em todos seus desejos.

E isso, de certa forma, mudou muito o jeito com que ela enxergava Murilo. De um jeito que, Isadora não podia esconder de si mesma, era desnorteador.

— Você está bem? - a voz rouca do outro lado da mesa a trouxe de volta para o presente.

Ela assentiu, levando seu frapuccino a boca.

— Só estava de olho em Isis – ela respondeu, apontando para a menina, há alguns metros de distância, escolhendo seu hambúrguer no balcão, como se fosse mesmo uma grande adulta.

Daniel seguiu o olhar dela e, então, deu um sorriso.

Isadora não estava animada para sair. Na verdade, depois do embate com Murilo, no fim da manhã, ela só queria ir para casa, enrolar-se em seu cobertor e não se mover por muito e muito tempo. Mas acontece que ela ainda tinha um turno de oito horas para cobrir e seus problemas pessoais não serviam de desculpas – não quando o seu próprio chefe era a causa da maior parte de seus problemas pessoais.

Feridas Profundas (HIATO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora