MICHAEL

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Denver, Colorado
2016

O vento balança as folhas das árvores, fazendo com que a neve se derrame pelo chão, juntando-se ao amontoado branco que já se forma ali pelo ciclo que insiste em se repetir de novo e de novo. Os flocos caem do céu e recobrem qualquer coisa que, apesar do frio, tem a audácia de sair do aconchego de uma lareira e dizer um alô a neve. Não temos uma lareira no internato e o calor humano não é o suficiente para nos aquecer, por isso todos optam por brincar na neve como se a infância tivesse voltado outra vez.

Observo todos se portando como crianças de oito anos quando uma bola de neve os atinge e rolo os olhos quando ouço uma gargalhada alta chegar até meus ouvidos. Sei que Luke concorda comigo quando digo que todo esse conceito de felicidade infantil é uma grande tolice, mas posso obviamente perceber que ele desapareceu – provavelmente está perdido demais em seu próprio mundo de estudos e eu o admiro por isso. Calum e Ashton atiram bolas de neve um no outro e, não importa o quanto eu tenha dito que isto é idiotice, sei que eles acabariam fazendo o que bem entendem.

Estou sentado no que antes seria a sombra de uma árvore, mas o inverno também alcança o Colorado. O sol desapareceu há algumas semanas, dando as caras vez ou outra para nos lembrar o quanto reclamamos dele quando era constante, mas agora quase imploramos para que ele volte e nos livre do frio que congela nossos dedos do pé. A touca em minha cabeça está apertada e eu preciso me lembrar de pedir outra aos supervisores, mas o casaco de lã padrão do colégio recobre meus braços folgadamente e me esquenta tanto quanto os que minha mãe costumava costurar para mim na infância, quando o Natal começava a se aproximar.

Levanto-me da melhor maneira que posso, tendo o impulso de ir atrás de Luke. Coloco-me de pé, passando as mãos sobre minha calça, a fim de afastar a neve do moletom verde que não combina em nada com o casaco vermelho que uso. Vejo que minhas luvas escuras tornaram-se brancas por conta da neve que agora as suja e logo trato de batê-las uma na outra, afastando a sensação fria que tentava se instalar em minhas mãos.

Corro até o prédio escolar, deixando Calum e Ashton para trás. Estou certo de que não sentirão minha falta. Quando entro, noto que abraçava meu próprio corpo numa tentativa involuntária de esquentar-me mais, mas solto os braços ao redor do corpo assim que a sensação de calor me atinge. Pelo visto, concertaram ar condicionado. É bom não ter que me preocupar com a temperatura do lado de fora. Caminho pelo pequeno pátio em poucos passos e subo diretamente pela escada em espiral que leva aos dormitórios, no andar de cima.

Caminho pelo extenso corredor em passos despreocupados, passando por portas brancas enumeradas do um ao quarenta de forma padronizada. A única maneira de não entrar no quarto errado quando se está ilegalmente bêbado, além do número metálico grudado na porta, é o fato de que alguém sempre cola alguma coisa para fazer companhia ao número. Tenho certeza de que passei por muitos adesivos da Hello Kitty antes de chegar ao quarto que divido com Luke.

Encaro o grande "39" por um segundo antes de esboçar o começo de um sorriso para o símbolo do Batman, logo abaixo dele, que havia sido posto somente por intensa insistência de meu colega de quarto loiro – eu não reclamo disso, na verdade. Abro a porta e me deparo com Luke sentado em frente à escrivaninha; as sobrancelhas franzidas por baixo dos óculos de grau e a língua escapando pelo canto dos lábios indicam que ele está concentrado em seus estudos. Ele está sem blusa e percebo que também posso me livrar de meu casaco, por isso o faço, jogando-o sobre a cama de Luke.

Olho para ele mais uma vez e bufo por ainda não ter sua atenção em mim. Ele ainda não me nota, ou finge não notar.

– Luke! – chamo sua atenção. Ele me encara enquanto a cadeira giratória vira-se em minha direção, dirigindo-me um sorriso desconfortável que posso claramente interpretar como um pedido de desculpas.

– Desculpe – ele diz, mesmo que eu consiga ver isso em seus olhos. – Estava concentrado – Luke tira os fones de ouvido que eu até então não tinha notado, fazendo o mesmo com seus óculos.

– Tudo bem – dou de ombros. – O que você estava estudando? – pergunto, indo até ele. Ele vira-se para frente novamente. Fico logo atrás dele, quase encostando o queixo em um de seus ombros largos e acompanho seu olhar até o caderno, onde sua letra caprichada está preenchendo cada uma das linhas azuladas.

– História – ele declara. – Sou péssimo.

Arqueio as sobrancelhas mesmo que ele não esteja olhando para o meu rosto e solto uma risadinha sarcástica.

– Eu não entendo vocês de exatas.

– Cala a boca – ele fecha o caderno rapidamente e bufa, levantando-se da cadeira e me encarando. – Você poderia me ajudar.

– Nah – abano as mãos como se desconsiderasse. Ele morde os lábios, consequentemente fazendo com que sua língua passe pela argolinha prateada que ali se localiza. Eu quase posso enxergar o garoto de antes, concentrado nos estudos, indo embora pela porta e dando espaço a este Luke que com certeza não tem boas intenções. – Tenho coisas mais interessantes pra fazer.

– Tipo o que? – pergunta, aproximando-se um passo de mim, o que já é o bastante para que eu toque nele sem fazer esforço, mas não o faço. Ao invés disso, noto apenas o quanto ele é mais alto que eu e o quanto faz questão de que eu perceba isso. Ele me encara de cima com um olhar desafiador e eu me pergunto como fomos parar daquela forma se há três minutos ele ainda nem me notava.

Algumas situações se transformam assim diante de meus olhos quando se trata de Luke e eu não sei o que há de errado. Simplesmente parece que tudo se modifica a meu favor. Esquisito. Mas bom.

Não sei o que respondi, mas ele acaba me beijando. É tudo tão rápido, não me lembro como aconteceu. Três minutos depois e minhas costas já estão sobre o colchão, Luke está em cima de mim e beija meu pescoço de forma desesperada. 

As coisas mudam rapidamente quando começo a estranhar.

Calum está na porta.

– Vocês não estão sozinhos, sabiam? – ele diz, sem se preocupar se está ou não invadindo nosso quarto e atrapalhando nosso momento. – A porta estava aberta – ele dá de ombros quando eu empurro Luke e o lanço um olhar raivoso.

Fecho a porta e percebo que Ashton também já está no quarto. Eu ainda não havia notado sua presença até que ele se pronuncia:

– Vocês não acham legal que as aulas tenham sido canceladas por causa da neve? – ele pergunta. – Não faz sentido, já que moramos aqui, mas acho que os professores também não estão dispostos a trabalhar no inverno.

– Falta pouco pro Natal, todo mundo quer sair desse inferno o mais rápido possível – resmungo.

– E todos vão – diz Calum – exceto nós.

Calum tem razão. Ouvi dizer que todos os alunos serão liberados na semana do Natal. Todos, exceto aqueles que não têm uma casa para onde retornar – ou aqueles que preferem ficar na escola por algum motivo. A primeira opção inclui estreitamente eu. Desejei do fundo do meu coração que meus amigos não fossem passar o feriado com suas famílias, pois não quero ficar sozinho. Não precisei proclamar meu egoísmo em voz alta – o que me deixou mais feliz – já que minhas preces foram atendidas e eles disseram que não voltarão para a casa.

Será o primeiro Natal sem meus pais. Ainda me lembro da forma como minha mãe preparava a comida. Ela costumava dizer que uma refeição nunca está completa sem amor, dizia que este era seu ingrediente secreto. Sinto a falta dela.

Eu não estava lá quando aconteceu, mas, segundo os policiais, o carro capotou cinco vezes. Eles morreram na hora.

Foi tudo rápido demais, como sempre.

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oi meus amores eu realmente espero que voces estejam gostando desse começo mesmo que começos sejam meio meh

os capítulos no pov do mike são em 2016 e os do luke em 2015 e talvez isso faça sentido em algum momento

blurry • mukeWhere stories live. Discover now