O papel

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- Perguntaste-me porque te odiava. Sabias que me tinhas feito sofrer mas nunca imaginas-te que tivesse guardado tantos remorços por tanto tempo. Bem... Eu estive a pensar e apesar de tudo acho que tens direito em receber uma resposta. Eu odeio-te desde a primeira vez que te vi. Lembro-me como se fosse ontem. Os meus pais levaram-me a uma dessas festas da aldeia que tu sabes que eu tanto odeio. A música pimba fazia-me encolher a um canto bem afastado a revirar os olhos cada vez que uma nova música começava, contando os minutos para me ir embora. E então tu apareces-te. Estavas com os teus amigos e todos olhavam para umas raparigas que se abanavam ao som da música, sorrindo diretamente para vocês. Eu revirei os olhos soltando um suspiro cansado. E então olhas-te na minha direção. Os teus olhos de um verde profundo tomaram-me de surpresa fazendo-me deter o olhar mais tempo do que desejava. Senti-me ridícula. Apresei-me a desviar o olhar fingindo não estar interessada na tua presença. Não pareceu resultar. Vieste até mim. Não sei porquê, mas vieste e sorriste. Essa foi a primeira razão para saber que te odiava: Porque viveste ter comigo. Porquê? A partir desse dia tudo mudou. E eu odeio mudanças.
Olhei para ti em silêncio depois de te sentares ao meu lado sem qualquer explicação. Não disses-te nada. E eu também não. Apenas retiras-te um papel velho e machucado do bolso e começas-te a rabiscá-lo. Passei a noite a tentar descobrir o que fazias. Elaborei imensas teorias mas nenhuma se aproximava da realidade. Tu não parecias incomodado com as minhas tentivas constantes de espreitar o que prendia tanto a tua atenção. não! tu ignoraste a minha presença durante toda a noite, concentrando a tua atenção no maldito papel e no cigarro acesso na tua mão, que, por constante falta de atenção da tua parte, se apagava constantemente, fazendote guardar o papel e acende-lo novamente sucessivas vezes, contribuindo ainda mais para a minha frustração. E então, quando estava quase a partir tu agarras-te no meu braço e colocas-te aquele bocado de papel na minha mão. Olhei para ti confusa e odiei-te por teres colocado aquele papel na minha mão. Mas odiei-te ainda mais quando o abri, já em casa. Eu esperei até todos estarem a dormir para o fazer. Não sei porquê. Mas eu esperei. Quando o abri uma simples frase fez-me querer voltar e gritar contigo. Uma frase que marcou o inicio de tudo. Uma frase que amaldiço-o todos os dias.
"Sabias que sempre tive uma queda por morenas?"

Odeio amar-teOnde histórias criam vida. Descubra agora