O Destino de Ravena: O Outro Lado de Verum

Capítulo 27

Deixamos Hylla chorando do lado de dentro; mesmo que ela tenha implorado para darmos alguma resposta.
Shisar estava escondendo seu rosto com as mãos, e até agora não consegui descobrir se ele estava chorando. Ravena não parecia estar crendo na situação, e nem eu também. Logo, lembrei da substância azul saindo de dentro de Hylla logo depois que foi atingida. Teria sido suas memórias?
Olhei para frente no instante que notei alguém se aproximar, era Tom. Fui até ele dando-lhe um abraço forte. Ele sorriu, e me avaliou com certo orgulho e alívio. Não consegui devolver o sentimento, minha cabeça estava pensando em Hylla.
— Você precisa ver Hylla— falei
— O que houve?— ele perguntou
— Ela perdeu a memória, pai — contei— não sei o que fazer. Não sei se é temporário.
— Vamos lá— Tom foi na frente, cumprimentando Shisar e abraçando Ravena no caminho

Do lado de dentro, Hylla ainda chorava, e quando nos viu, limpou o rosto rapidamente, como se tivesse esperança em obter alguma resposta. Tom sorriu para ela, parando pouco longe da cama.
— Vão me ajudar?— ela soluçou
— Do que se lembra?— Tom pediu
— De acordar— ela piscou— só isso.
— Posso?— ele pediu estendendo as mãos para ela

Hylla assentiu. Tom foi até ela, pondo as mãos em sua cabeça, ele ficou lá por um bom tempo, parado, sem se mexer ou dizer algo. Hylla lançou um olhar tenso para mim, e eu tentei tranquilizar ela com um sorrisinho.
Quando Tom se afastou, achei que ele fosse dizer que estava tudo bem e que logo ela voltaria ao normal, mas sua expressão me dizia o oposto. Ele se afastou, e nós o seguimos, sabendo que ele não queria que Hylla ouvisse.
— Ela não tem mais memória— Tom me olhou— Foi tirada e dizimada. Não está lá dentro. Ela não vai recuperar, e nem lembrar de nada nunca mais. Hylla nasceu hoje, de novo.
— Nasceu..?— Shisar cambaleou e eu o segurei
— Sua mente está em branco— Tom explicou— as únicas coisas que há são os momentos de agora.
— Como um bebê?— Ravena indagou
— Os instintos fazem ela saber o que fazer— Tom afirmou— ela sabe falar e coisas assim. Mas digo que ela esqueceu de tudo sobre ela, ela nunca mais vai lembrar. Foi arrancado. Entenderam?
— Eu vi...— sussurrei— mas não sabia que era isso. Quando Rodthal a atingiu, uma substância azul saiu dela e se desfez no ar.
— Eram as memórias— Tom suspirou
— O que vamos fazer, pai?— perguntei
— Não sei...— ele respondeu— mas ela precisa de uma identidade, precisam falar para ela.
— Posso fazer isso— Shisar me olhou

Eu pisquei, tendo uma idéia melhor. Olhei para Hylla que ainda nos olhava, esperando algo de nós. Shisar esperava minha reposta, e quando dei um passo na direção dela, ele entendeu que não precisaria fazer nada. Não era isso que eu queria, e mesmo que pareça injusto, acho que é a melhor opção.
— Eu perdi a memória, não é?— Hylla entendeu
— Sim...— afirmei— e é grave. Não vai recuperar.
— Então...— ela chorou, derramando lágrimas constantes— qual o meu nome? Quem são vocês? Quem sou eu?
— Você é Hylla Kash— respondi— minha irmã.

     A curandeira do chalé foi incentivar Hylla a comer. Eu saí do chalé com Tom, Ravena e Shisar atrás de mim, esperando minha explicação. Para mim era óbvio; ela ia reconstruir sua vida de outra forma, criar novas memórias e esquecer todo o sofrimento, e me ter como irmão, como sempre quis. Não era dessa forma que eu imaginava, mas sinto que agora, ela está entrando na minha família, sem um passado que a deixe estranha com isso. Virei para olhar para os três, que ainda estavam curiosos atrás de mim.
— Pai...— falei, olhando para seu rosto orgulhoso— Pode ser o pai de Hylla também?
— Se ela é sua irmã— Tom sorriu
— Então, é só ajudar— agradeci— diga que é pai dela, assim como é o meu. Não precisa de muitas histórias.
— Não era assim que eu imaginava esse momento— Ravena sorriu— mas é perfeito
— Hylla vai ganhar uma família — Shisar falou— É ótimo.
— Vamos deixar ela à vontade. Contem tudo para ela— Expliquei— Sobre as aventuras, missões, não me importa. Mas quando ela perguntar sobre a família dela, falem sobre mim, Tom, Roxanne, Zafrin e Sadiel. Somos a única família dela. Entenderam?
— Isso é muito nobre— Tom afagou meu ombro
— Entendemos— Ravena assentiu
— Vou espalhar por aí— Shisar avisou
— Use a ameaça se alguém mostrar vontade de não ajudar nisso— falei
— Vou usar sim— Shisar afirmou
— Vou falar com minha mãe— Ravena anunciou— Acho que Hylla quer falar com o pai e o irmão agora
— É uma boa ideia— Tom sorriu
— Vai falar sobre...— toquei a mão com o anel
— Com certeza— ela riu— Acho que ela vai até me ajudar a planejar
— Desculpe..— Tom se meteu— Mas isso é devido ao casamento?
— Como você...?— Ravena franziu o cenho
— Quem acha que ajudou ele a tomar coragem?— Tom riu
— Rahel..— ela corou
— Vai logo falar com sua mãe— sorri— E se eu estiver ameaçado de morte, me avise.
— Pode deixar— ela riu

Dei um beijo rápido em Ravena e ela se foi. Respirei fundo e entrei no chalé ao lado de Tom. Hylla estava olhando para seu reflexo em um espelho, e quando entramos ela sorriu. Tom puxou uma cadeira para si e eu me sentei na cama dela.
— Somos parecidos— Hylla disse
— Somos mesmo — concordei
— Não só na aparência— Tom riu
— Hã, Hylla...— comecei, apontando para Tom— Esse é nosso pai.

Ela olhou para Tom, dando um sorriso muito contente.
— Oi...— ela corou
— Oi, filha— Tom sorriu— Não se sinta mal com o que houve, vai ficar tudo bem.
— Já está tudo bem— ela afirmou— estou bem. Quer dizer, não lembro mesmo e não sei se vou lembrar...
— Você não perdeu a memória— Tom suspirou— Arrancaram ela de você e as apagaram. Algo assim não se recupera, filha.
— Entendo...— ela assentiu— mas estou bem. Mesmo.
— Que bom— Me aconcheguei na cama
— Pode fazer perguntas— Tom incentivou— vamos responder tudo.
— Quem eram os dois aqui?— Ela começou
— Minha namorada e seu namorado— respondi
— Meu namorado?— ela engasgou
— Ele vai falar com você depois — Tom riu
— E minha mãe?— Hylla continuou
— Bom, isso será horas de histórias.— Suspirei, pensando em Roxanne
— Tenho tempo, maninho — ela se aconchegou— só posso sair daqui amanhã
— Bom..— Tom sorriu para mim— então, eu posso começar.