Capítulo 34: No Calor do Deserto.

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Os remanescentes da Falange da Montanha agora são pequenos pontos que desaparecem no horizonte, em meio a fumaça que brota de seus veículos avariados. Os três titãs de aço, ainda posicionados um ao lado do outro, estão circundados por um amontoado de veículos destruídos e corpos dilacerados. No Flecha Vermelha, Karl Prome, Samuel e os dois tripulantes do Guarani trabalham sob a orientação de Jabe, realizando os reparos necessários na carcaça do striker; próximos a eles, ao lado do Guarani, os passageiros do Lobo observam os sobreviventes da Falange desaparecerem na vastidão da planície.

- De onde esses caras saíram?Eu nunca ouvi falar que  expurgados tinham tantos recursos assim.

- Na verdade existem várias tribos, Thiago, algumas são muito poderosas e subjugam as outras - responde Maestro.

- Não sei quase nada sobre expurgados, só que são extremamente pobres. - Diz Davi

- São sobreviventes da revolução, refugiados que infelizmente não tiveram a sorte de serem acolhidos por uma cidade-estado - responde Marcela, triste.

- Nossa, e eu achando que esse negócio de subjugar era coisa das mega-corporações.

- Não, Davi, isso é coisa do ser humano. Quem tem poder e não tem moral, sempre vai procurar alguma forma de dominar os outros. 

-Tá, Maestro, mas onde eles conseguem as armas? - Inquere Davi.

- Zonas de Exclusão, negócios com o crime, bases militares abandonadas...

- Negócios com o crime? O que esse povo tem para negociar? - Questiona Thiago, cético.

- Escravos - responde Maestro.

Marcela se surpreende. Thiago e Davi erguem as sobrancelhas, Bel, que até então estava de costas para o grupo, olhando para os destroços das máquinas da Falange, se volta para Maestro.

- Você disse escravos ?!

- Muita gente compra, Bel; são usados em experiências, desmonte genético, mercado de órgãos, e escravidão mesmo. É mais barato do que a síntese humana - ele para de falar por um momento, como se lamentasse algo. -  A Falange é um dos principais fornecedores.

- E como é que você sabe dessas coisas? - Diz o biohacker, olhando com desconfiança para Maestro.

O armador fecha a cara e fuzila Davi com os olhos, então dá de ombros, se movendo na direção do Lobo.

- Vou beber alguma coisa, acho melhor vocês entrarem também, parece que os reparos estão quase prontos.

O grupo observa Maestro entrar no striker, então a loira se apóia em Thiago, colocando seu braço sobre o ombro do rapaz. 

- O que deu nele ?

Thiago cora, sente o coração acelerar, começa a falar rapidamente:

- Vai saber! Ele é assim mesmo, deve ter um depósito cheio de esqueletos escondido em algum lugar.

Davi solta uma gargalhada.

- Um depósito, só um? Duvido! Esse cara é mais sujo do que todos aqueles expurgados juntos!

Marcela olha para Davi com reprovação, então se volta para o  ruivo:

- É, ele é estranho; mas estranho também é ninguém na civilização fazer nada em relação a essa coisa de escravos, essa Falange, cara, estou começando a gostar da ideia de sair de Vix.

- Realmente, não dá pra acreditar - responde Thiago, um pouco mais calmo. - E você, Yagami, o que acha disso tudo?

- Tá muito quente aqui fora. -  Os três olham para ela surpreendidos. Bel continua:

 - Acho que vou encher a cara na companhia do Mike.

- Como é que é? - Indaga Marcela.

- E você realmente consegue ficar bêbada? 

- Deixa de ser bobo, Davi, já me viu bêbada inúmeras vezes!

Bel segue os passos de Maestro, dirigindo-se rapidamente para o striker sob os olhares dos três. Após alguns segundos de silêncio, Marcela se afasta de Thiago, que por sua vez olha para Davi de forma descontraída.

- E como é que foi, Davi ?

- Foi o que, ruivinho?

- Ora, namorar um biocomputador!

- Que pergunta! - responde Marcela subindo o tom e deixando Thiago com cara de susto - Querem saber de uma coisa? Ela tá certa, nesse calor o melhor a fazer e tomar uma bebida, antes que ele queime nossos cerébros. Ei, Bel! Me espera!

Marcela empreende uma pequena corrida, alcançando a amiga na subida da rampa de acesso ao Lobo, porém, antes de entrar no veículo, ela se volta para os dois rapazes.

- Ei, vocês dois não vêm? 

- Já já! - responde Davi, que encara o jovem ruivo segurando em seu ombro. - Thiagão, é o seguinte: Marcela tá na sua, mas se você não chegar logo nela, eu vou fazer isso, entendeu?

- Hein? Tá na minha? Como assim, cara?

Davi solta uma gargalhada.

- Não se faça de bobo! Você quer perder essa chance? Tudo bem.

- Fica longe dela, camarada! Fica longe!

- Relaxa, garoto! Não vou queimar seus olhos, é só para você se ligar. 

Dê súbito, Davi começa a olhar por sobre o ombro de Thiago, ignorando completamente o incisivo rapaz.

- Você é um imbecil mesmo. Ei! tá me ouvindo?

- Tem alguma coisa ali - Davi aponta para uma carcaça retorcida e fumegante de um dos bugres da Falange.

- Tá querendo me distrair ?

- Não! Olha ali, tem algo se movendo entre os destroços!

Thiago se vira para olhar no exato momento em que uma esfera prateada, do tamanho de um melão, se move por sobre o solo a alguns centímetros do chão.

- Minha nossa, um drone da VNR! - Vocifera Davi, atraindo os olhares dos homens que começam a descer do Flecha Vermelha

- Nunca vi um drone desse tipo! Ei... ele... ele tá vindo prá cá!

O objeto acelera, percorrendo rapidamente a distância que o separa dos dois rapazes; em instantes está parado bem diante do rosto incrédulo de Thiago, flutuando no ar; o jovem  então pode ver que a bola gira velozmente em torno de seu eixo. Davi se afasta, apavorado. Rapidamente, vários pequenos fios prateados e muito finos se projetam da superfície da esfera, como se fossem braços, eles cruzam o ar e cravam suas pontas afiadas no rosto de Thiago, penetrando a testa do jovem e rompendo seus vasos sanguíneos naquela região.

O artefato hostil começa a girar ainda mais rápido, e seus pequenos braços emitem uma leve luminosidade azul. 

- Thiago! Thiago! - Grita Davi, desesperado.

Mas o hacker parece estar completamente paralisado, a boca aberta, os braços retos e esticados. Então ele começa a gritar, no mesmo instante em que a luminosidade nos filamentos cravados em sua carne aumenta muito.

Atônito, Davi escuta o estampido do tiro. A esfera pende para um lado e seus filamentos se retraem. Outro disparo, e agora o objeto hostil para de girar, revelando dois grandes buracos em sua estrutura. O jovem ruivo, com o rosto cheio de sangue, desaba no chão como uma pedra, enquanto um terceiro disparo transforma a esfera a uma explosão de fragmentos prateados.

Karl Prome, com sua pistola em punho, se aproxima do corpo  de Thiago, abaixando-se para acudir o jovem. Samuel e os outros dois tripulantes do Guarani, com facões nas mãos, chegam pelo outro lado, acudindo Davi. Maestro, Bel e Marcela surgem apavorados, descendo velozmente pela rampa do Lobo.

- Mas que diabos era aquilo? - Grita Samuel, observando o punhado de fragmentos prateados espalhados na areia.

- Thiago! - A voz de Marcela ecoa pelo deserto. Davi se lança na direção do corpo do hacker,  quase derrubando Prome.

- Fala comigo, cara! Fala comigo!


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