Capítulo 5: Sonhos Artificiais.

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O flymob da equipe de segurança da VNR segue veloz por uma aerovia pouco movimentada na zona sul de Vix, em seu interior, dentro de um compartimento na parte traseira do veículo, Bel Yagami está deitada de barriga para cima e firmemente presa em uma maca; um cabo de fibra-óptica conectado ao seu CND transmite informações para equipamentos fixados na parede de metal escovado. Ao lado da maca, um homem de idade trajando um macacão azul marinho aplica em Bel uma solução intravenosa. Após terminar o procedimento, ele remove com cuidado a agulha e olha meticulosamente para os monitores em sua volta. Segundos depois, as veias e artérias da mulher são invadidas por milhares de máquinas microscópicas, que se agrupam e então navegam pelas correntes sanguíneas, indo em direção a um destino comum: o cérebro.

Em uma outra parte da nave, o grupo tático da Vieira & Nakashima Robotics começa a retirar o equipamento de combate, iniciando pelos capacetes. A tradição mandava que ao final de uma missão, independente do resultado, uma garrafa de uísque deveria ser aberta, era uma forma de aliviar o estresse pós-ação, que demorava para sair da alma. Mas no momento um clima de ansiedade crescente domina o ambiente, e os agentes não chegam nem perto do pequeno frigobar acoplado em uma prateleira. Removem os dorsos de suas armaduras e tiram os coletes de liga sintética, então se encaram, preocupados com o desfecho da missão. Apenas um dos objetivos da missão, a recuperação da executiva, fora concluído com sucesso, a captura do biohacker conhecido como Vampiro falhara; e foi o primeiro fracasso da equipe em anos de serviço. "Aquele miserável escapou, mas como?", era a pergunta que imperava na mente dos quatro homens.

Um pouco distante deles, Amanda Makarim, a líder do grupo, só agora remove seu elmo ao mesmo tempo em que se senta na cadeira de comando. Todos olham para ela, esperando por uma ordem que os envie no encalço do fugitivo, e embora a ciborgue perceba a ansiedade dos homens, ela opta por refletir antes de tomar qualquer decisão. Amanda permanece impassível e com as feições sérias. Ela encara um monitor na parede oposta à sua poltrona e respira fundo, relaxando o corpo, então conecta-se ao servidor central da VNR; instantaneamente, uma enxurrada de dados invade seus bio-processadores.

Apesar de não envolver combate de campo, aquela fora a missão mais importante da "Anjo Delta", como é chamada a equipe de Amanda. Eles precisavam chegar ao alvo no tempo certo, e para tal tudo havia sido minuciosamente planejado: A executiva, Bel Yagami, era a isca e nem imaginava. Ela deveria se envolver com o bio-hacker conhecido como Vampiro, que usa em Vix o nome falso de Davi. Dados secretos da VNR foram propositalmente expostos, revelando que Bel possuía informações corporativas muito valiosas. Mas os dados realmente valiosos estavam na mente de Davi: o programa KDCode. Juntar os dois foi a parte fácil, Amanda havia criado todas as oportunidades e preparado a armadilha com muito cuidado. Um programa especialmente desenvolvido, um vírus bioneural, foi implantado no CND de Bel e assim que detectasse a presença de Davi entraria em ação, copiando o KDCode para a memória da executiva e deixando o bio-hacker inconsciente. Foram três anos de planejamento e agora Amanda estava no meio da parte mais importante do plano: recuperar o KDCode. Além disso, eles deveriam capturar Davi e obter os dados guardados em sua mente, que os levariam até o fornecedor do KDCode, o contratante.

A única falha até o momento era a fuga do bio-hacker. Mas apesar de ter escapado, o CND dele deveria estar imprestável, destruído pelo vírus, e o dano seria tamanho que Davi nunca mais poderia usar outro CND novamente, assim, ele não tinha como apagar as informações cobiçadas de sua própria memória, como faziam os bio-hackers ao terminar um serviço.

"Mas como ele conseguiu fugir?" O cérebro positrônico de Amanda, conectado ao banco de dados central da VNR, processa dezenas de milhões de possibilidades, determinando os possíveis próximos passos do fugitivo, calculando todas as variáveis prováveis naquele cenário complexo. Trabalhar com quantidades descomunais de  informação em tempo real era normal para ela. Desde que metade de seu cérebro fora substituído por uma contraparte digital, sua vida adquiriu uma rotina fora do comum, que se dividia basicamente em processar informações, planejar e agir, exatamente como uma máquina. De fato, para muitos ela já havia deixado de ser humana, e no fundo, após todos aqueles anos de missões quase suicidas, Amanda aprendeu a gostar do que se tornará: uma assassina metódica e sem remorsos, uma profissional em busca da perfeição.

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