Capítulo 29: Águia de Pedra.

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Os raios de sol causam reflexos nas poças. A garoa, que ocorreu alguns minutos atrás, se encarregou de lavar do asfalto o sangue que se recusou a escoar para os bueiros, mas lavou os corpos estirados no meio do beco. Os poucos moradores dos cortiços, que se esconderam durante os tiros na madrugada, ousam se aproximar das janelas, observando com cautela o homem que caminha devagar em direção à armadura reluzente caída no asfalto.

Centenas de drones inutilizados, espalhados ao longo da calçada esburacada, enchem de esperança os olhos de alguns moradores de rua, que cobiçam por as mãos nos avançados componentes eletrônicos daquelas máquinas tão comuns e ao mesmo tempo tão restritas. A armadura feminina estirada no chão também atrai a atenção dos indigentes, mas eles sabem, eles aprenderam que depenar uma máquina como aquela só traz problemas, então, apenas observam, esperando que o homem de feições indianas, nunca visto por ali, retorne logo para o moderno flymob que flutua próximo a entrada do beco.

Raji já esperava por isso, fatalmente o dia chegaria. Quem o observa vê apenas um senhor bastante calmo, mas por dentro, seu coração bate acelerado enquanto uma tempestade de emoções e lembranças alimentam uma ansiedade crescente. Ele se ajoelha ao lado do corpo de Dianna, toca levemente a armadura, lágrimas nascem e descem por seu rosto.

Um som estridente espanta os mendigos e catadores de sucata, que correm carregando os drones que conseguiram pegar. Lá no alto, uma nave de tamanho médio, toda negra e imponente, começa a descer em ângulo vertical, as turbinas flexionadas para baixo levantando a poeira da ruela.

Ficando a cinco metros do asfalto, o transporte abre uma porta lateral por onde duas figuras, um homem e uma mulher, ganham o chão. Ao ver a Gladium VI inutilizada, o homem corre na direção da armadura.

- Yuri! O que você está fazendo? - Inquere a mulher.

- É a Fúria! É aquela maldita!

Raji olha para trás e, vendo o brutamontes se aproximar, se vira para ele e fica de pé, então saca uma arma de aspecto ameaçador, um revólver de grosso calibre. Ele estreita o olhar e ergue o braço, a massa de mira perfeitamente alinhada com a cabeça do recém chegado, que por sua vez estanca surpreendido.

- Mais um passo e eu estouro seus miolos, Coveiro - Raji ameaça.

Yuri exibe os dentes em um sorriso largo, contemplando o corpo de Dianna.

- Vejam só! A desgraçada enfim bateu as botas! - Diz eufórico, mas então olha para o chão, curvando as pálpebras - Uma pena, seja lá quem for o bastardo que acabou com ela, o cara me tirou um grande prazer.

Três pequenos pontos vermelhos formando um triângulo equilátero aparecem no meio do peito de Raji, que continua firme com a arma apontada para o Coveiro. Ele ignora totalmente a ruiva com o rifle, o reflexo da mira laser apenas o faz piscar um pouco.

- Você morre antes de puxar o gatilho, quer apostar? Seu bosta! - Zomba Yuri.

- Os registros. Queremos os últimos registros gravados pela Fúria; audio, video, fluxos de dados, tudo. Nos entregue e você viverá. - Diz Amanda com extrema frieza, um pouco mais atrás do Coveiro, o rifle em punho como se fosse uma extensão de seu próprio corpo.

- Tenho uma outra proposta, moça. Deixe-me matar esse facínora. Será rápido, só um tiro no meio da testa. Então te falo o código de acesso. - Responde Raji, firme.

- Acaba logo com ele, chefe. Depois a gente hackeia a armadura e descobre até qual foi a última vez que a cadela cagou lá dentro. - Diz Yuri, rindo e tentando desestabilizar Raji.

- É impossível hackear a Gladium VI. Qualquer tentativa e ela simplesmente vai queimar os registros. - Raji sobe o tom - Acredite em mim, eu programei a coisa toda. E então, moça, qual vai ser? - ele segura a arma com as duas mãos, flexionando o indicador rente o gatilho, mas sem ir até o fim. Yuri começa a aparentar um pouco de ansiedade.

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