Capítulo 57 - O Gesso

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Mariana ficou me encarando da porta do quarto dela, sem saber como agir. Eu mal conseguia enxergar, com os olhos cheios de lágrimas, que rolavam sem dó nem piedade pelo meu rosto. Dilacerado: essa era a palavra que melhor definia o meu coração. No que eu estava pensando? O que eu esperava? Alex não era diferente. Alex não era diferente.

Uma mão tocou meu ombro e eu pisquei para conseguir enxergar. Era Igor, que tinha se agachado ao meu lado e me olhava com uma genuína expressão de pena. Eu não queria a pena dele. Aliás, eu não queria nada dele – nem aquela mão no meu ombro.

— Sinto muito, Katerine.

— Sente muito o cacete! – Eu respondi.

Igor tirou a mão do meu ombro, substituindo a expressão de pena por uma de completo horror. Como se eu tivesse o dever de estar grata por seu consolo quando, na verdade, eu só quero dar um soco na cara de alguém. Eu preferia dar um soco na cara de alguém do que chorar toda o percentual líquido do meu corpo. Regina não aprovaria meu temperamento agressivo e, sinceramente, nesse caso creio que de nada adiantaria.

Será que alguma coisa adiantaria? Minha única vontade era me enrolar em posição fetal e chorar por dias. Subitamente senti muita saudade do meu pijama da reflexão e de minha cama-oráculo no Rio de Janeiro. Levantei num rompante e parti zunida para o quarto. Abri a mala toda sem jeito na cama e comecei um ritual de arrumação.

Não havia, de forma alguma, absolutamente nada que me prendesse mais em Londres. Nenhuma vontade secreta e oculta de ficar. Nenhum frio na barriga de deixar tudo para trás e arriscar ter um relacionamento com um ator de Hollywood. Nenhuma vontade de voltar que eu precisava lutar contra. Não havia nada em Londres. Nada. Só um monte de lembranças tristes e fotógrafos sem coração.

— O que você está fazendo? – Mariana perguntou atrás de mim.

— Arrumando as malas – eu respondi.

— Vamos voltar? – Ela perguntou.

— Você, eu não sei. Eu pretendo – respondi.

— Kate... – Ela começou.

— Não quero conversar, Mariana – eu virei para encará-la.

Ela sustentou meu olhar. Era uma carinha conhecida, com olhos brilhantes e cabelo ruivo, cacheado e descontrolado. Do gênero que eu já tinha visto muitas vezes, quando ela estava prestes a dar um ataque de choro. Não estava com paciência para ataque de choros. Até porque só existia uma pessoa naquele quarto de hotel com motivos para chorar. EUZINHA.

Enxotei Mariana para fora do quarto, mesmo com um braço só. Bati a porta, liguei a televisão no máximo no Animal Planet (pelo menos lá eu tinha certeza que não iriam falar sobre a foto e sobre como foi a nova namorada de Alex Rodder que a vazou para a imprensa) e voltei a me compenetrar na arrumação, ignorando todos os sons que vinham detrás daquela porta.

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