Capítulo 06 - Amor Próprio

22.6K 2.3K 819
                                    

A verdade era que meu sono havia desaparecido depois da confusão da escada. Minha casa estava silenciosa e tudo que eu ouvia era a música alta do outro lado do muro. Em silêncio, andei para meu quarto. Minha mãe estava dormindo em seu quarto, no segundo andar, então me dei a liberdade de acender a luz sem medo de perturbar e de tomar um banho, sem medo de fazer barulho. Talvez ela nem estivesse dormindo, considerando o barulho surreal que a festa estava fazendo dentro da nossa casa.

A água quente bateu nos meus ombros e eu murmurei um agradecimento. Estavam tensos. Considerando todos os acontecimentos dos últimos minutos, não sabia mais apontar um culpado por isso. Talvez fosse Roberto, talvez fosse Caio, talvez fosse Mariana... No fundo, era eu. Meu coração ainda estava apertado no meu peito e eu achei que fosse chorar de novo. Saí do banho, vesti meu pijama e voltei para meu quarto. Desliguei as luzes e deitei na cama, mas era impossível tentar dormir com o barulho ensurdecedor da festa. Estiquei-me e peguei meu ipod nas gavetas da minha mesa de cabeceira e enfiei os fones nos ouvidos. Ainda que não conseguisse abafar todo som, a minha seleção musical era muito melhor do que a de Mariana, ou de seja lá quem fez a playlist da festa.

Arrumei-me na cama e forcei-me a fechar os olhos, mas toda vez que fechava eu me lembrava de Roberto e da sua respiração no meu pescoço enquanto dizia que sentia vontade de se ajoelhar e implorar por mim. Ele tinha sido uma parte fundamental da minha vida por três anos e era difícil odiá-lo de vez. Claro, eu ainda estava muito magoada. Talvez fosse ficar magoada pra sempre. Só que não era possível pegar três anos de vida compartilhada e jogar pela janela como e quando eu bem entendesse. Não é que eu ainda amasse Roberto, mas não é como eu também não sentisse mais nada.

Roberto foi meu primeiro (e até agora único) namorado. Nós nos conhecemos na oitava série quando ele entrou na minha sala do colégio e ficamos amigos porque eu fui a aluna designada para acolher o novo aluno. Na época, eu era a melhor aluna da minha turma e a representante dela no conselho escolar. Nós nos demos bem logo de cara. Na época, eu usava aparelho nos dentes e ele ainda usava óculos (agora usa lentes) e nós dois tínhamos catorze anos. Nosso primeiro beijo foi na festa de 15 anos da Mariana e acho que começamos a namorar imediatamente. Não fazia muito sentido não namorar, já que éramos melhores amigos e estávamos atraídos um pelo o outro.

Eu achava meu namoro um sonho. Eu achava Roberto um sonho. Ele era incrível, ele era Deus na terra, ele era lindo, ele era MEU NAMORADO e eu não conseguia acreditar nisso. Ele era absolutamente tudo que eu tinha sonhado quando queria um namorado. Ele visitava minha casa, me levava ao cinema, lia as letras de músicas que eu tentava escrever e tolerava Mariana, o que, na época, era uma coisa super difícil de se fazer. Eu me sentia infinitamente inferior a ele e talvez seja por isso que tudo tenha acontecido dessa maneira. Eu me sentia quase obrigada a ser uma namorada perfeita e submissa porque tinha pânico que ele pudesse me largar.

Na época, eu já tocava bateria, ele já tocava guitarra e nós dois resolvemos criar uma banda, ainda no nosso primeiro ano de namoro. Ele chamou um amigo do prédio, Breno, para ser o vocalista e nós três ensaiávamos juntos todo domingo. A banda era bem meia-boca e acho que, na verdade, todos nós sabíamos disso. Estávamos juntos porque era divertido, não porque achávamos que iriamos ser o novo sucesso nacional.

Foi no nosso segundo ano de namoro que as coisas começaram a se complicar. Breno teve que sair da banda, pois seu pai era militar e tinha sido transferido de Estado. Eu e Roberto ficamos arrasados, mas resolvemos tentar procurar um substituto. No caso, uma substituta. Juliana era uma menina da nossa sala do colégio e, apesar de não ser amiga dela, também não tinha nada contra ela. Simplesmente não éramos próximas. Ela foi a primeira pessoa que chegou para nossa "audição" e Roberto nem quis ouvir as demais (para desespero de Mariana que, na época, tinha o sonho de ser uma cantora pop - ainda que só tocássemos rock). Eu não achei que Juliana tinha assim tanto talento, mas Roberto disse que sim e, pra mim, se Roberto dizia era lei.

Tiete!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora