Senti Camila me abraçando por trás, ela afastou meus cabelos ainda um pouco úmido pro lado e bejou minha nuca. Encaixou o queixo no meu ombro e falou um 'sinto muito' baixinho. 

- Eu queria ser capaz de falar alguma coisa que te consolasse nesse momento.

- Tá tudo bem. - Continuei num tom ameno, colocando o copo limpo em cima da pia e me virei de frente pra ela. - Eu já devo ter ouvido nos ultimos meses todas as palavras de consolo possíveis, acredite em mim quando eu digo que nada funciona. - A expressão no rosto de Camila era indecifrável, a encarei em silencio por um instante e voltei a falar - Desculpa o cinismo, mas no momento é dessa forma que lido com esse assunto. 

Ela continuou calada, balançou a cabeça pra mostrar que compreendia e me deu um selinho.  

- Bom, vamos dormir então. - Seguimos de mãos dadas em direção ao quarto, paçoca disparou na nossa frente, já sabendo o destino.

Quando entramos, meu cachorro já estava deitado na minha cama, esperando ansioso pra que eu me juntasse a ele. 

- Chegamos na parte difícil, Camz. Nunca trouxe ninguem pra dormir comigo e não sei de verdade como meu filho irá reagir. Tenta ver se ele te deixa pelo menos sentar na cama, vou escovar os dentes e já volto. - Dei um selinho rápido e fui em direção ao banheiro, Camila ficou parada sem saber ao certo o que fazer. 

Não ouvi nenhum latido enquanto escovava os dentes e achei que era um bom sinal. Não queria que Camila fosse dormir em outro quarto e sabia que paçoca iria destruir meu apartamento inteiro se o tracasse fora. Voltei e encontrei Camila tensa sentada na cama, suas costas encostada na parede, meu cachorro a olhava desconfiado e quando notou minha presença fez um cara de 'o que ela ta fazendo aqui?'. Deitei ao lado dela e paçoca se encostou em mim, ocupando o espaço entre nós duas. Mais confiante, minha pequena se deitou. Me estiquei pra apagar as luzes do quarto no interruptor ao lado da cama, deixando só as luminárias acessas. Me virei de lado e admirei por um momento o perfil de Camila, que ao notar que tava sendo observada, virou seu corpo em minha direção.

- Olá, estranha.

- Olá, estranha. - Ela respondeu com um sorriso discreto no rosto.

- E a sua história, qual é?

- Não é muito interessante, sou chata.

- Me conta e deixa que eu decido isso.

- Tudo bem, não vá dormir no meio dela então, por favor. - ela falou brincando. - Nasci e cresci numa cidade pequena, próxima daqui. Fui filha única por alguns anos e não era do tipo popular, simplesmente não me encaixava. Então nasceu Sofia, minha irmã, e todo meu drama escolar ficou em segundo plano, ela trouxe mais vida a nossa família e mais alegria pra minha vida. Hoje tento acompanhar seu crescimento. Mesmo a distancia, tento ser o mais presente possível. Quando vim estudar aqui ela tinha 5 anos, agora está com quase 10... - a nostalgia em sua voz era perceptível. - Então encontrei Dinah, que se tornou parte da família. Ela é minha irmã mais velha, apesar de ser alguns meses mais nova que eu. 

- Você não tem nada de chata, qualquer coisa que você fala é a coisa mas interessante do mundo na minha opinião. - Falei e fechei os olhos, o sono dominando meu corpo aos poucos. Camila estendeu a mão e começou a fazer carinho passando os dedos pelo meu cabelo. Após alguns minutos, ela chamou meu nome suavemente.

- Hum? - foi tudo que consegui responder. 

- Desculpa por ter forçado você a falar dos seus pais mais cedo. Não quero que você ache que é obrigada a me contar qualquer coisa que seja, economize tantas palavras achar necessárias apartir de agora. 

- Tudo bem, esse não é um assunto proibido, só é complicado. Cada pessoa lida de um jeito com as coisas e eu só evito falar porque ainda tô machucada. Não consigo dominar minhas emoções e acabo ficando com muito medo, tanto tanto que fico com raiva. Todos diziam que ia passar, mas já vai fazer um ano e só piora. - falei baixinho, levando meu tempo entre uma palavra e outra, Camila continuava me ninando ouvindo pacientemente.

- De que você tem medo?

- Medo de nunca mais conseguir ser feliz, de que algo aconteça com meus irmãos, de sentir essa tristeza pra sempre, de nunca voltar a ser a pessoa que eu era antes. Eu gostava da minha vida, gostava de como eram as coisas, sempre coloquei minha família e meus amigos acima de tudo... Eu gostava de quem eu era.

- Eu gosto de quem você é agora. Gosto muito mais do que você pode imaginar. - Camila falou docemente e senti seus lábios beijando minha testa.

Abri meus olhos e encarei Camila por um instante. Peguei Paçoca que já dormia profundamente e o coloquei do meu outro lado, fechei a distancia que havia entre meu corpo e o de Camila, passando o braço esquerdo por cima de sua barriga  e encostando minha cabeça no seu peito. Fechei os olhos e suspirei de leve, o sono me dominando outra vez.

- Boa noite, Camz. - reuni forças pra falar quase num sussuro.

- Boa noite, amor. - ela respondeu enquanto passava a mão carinhosamente pelas minhas costas. 
 

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