Capítulo 4 - Belo Desastre

Começar do início
                                    

— A família é de Goiás. Espero que não tenha que ligar para dar más notícias. Odeio fazer isso por telefone. – ela disse.

Murilo passou a mão pelos cabelos. Ele nunca havia sido a favor de ter um psicólogo dentro do hospital. Ele não gostava de psicólogos. Mas depois de dois anos lidando com mortes causadas por acidentes ele percebera que não nascera para essa tarefa de comunicar o falecimento das pessoas para ninguém, quando era algo assim repentino. Se fosse uma doença longa, não o afetava. Mas quando eram jovens, estavam saudáveis, a cabeça de Murilo dava um nó.

A única solução para isso foi contratar um psicólogo para a função.

Karine era boa de serviço. Era tão forte quanto acolhedora e as pessoas que precisavam do apoio dela costumavam gostar da sua companhia. Mas isso não significava que Murilo começara a gostar dela. Muito pelo contrário.

— Eu também espero, Karine.

— Precisamos aguardar, pelo seu tom de voz.

Ele assentiu.

— De doze a vinte e quatro horas.

— Certo – ela bateu nas próprias calças jeans branca – Ótimo. Vou visitar um paciente na oncologia. E você devia ir para casa, doutor, está com uma cara péssima.

Ela passou pelos dois enquanto Evandro dava uma risadinha.

— Ela não é o máximo?

— É bom que você não diga isso perto da Maíra – Murilo fez uma careta.

— Maíra é minha ex-mulher. Ela não tem que dizer nada sobre o que eu digo das outras mulheres, meu caro. Quem pediu a separação foi ela, não é mesmo? Eu não dou a mínima.

— Se você está dizendo – ele encolheu os ombros – Vou para casa. Se ocorrer alguma emergência é só ligar, ok?

— A gente com certeza se vira sem você, doutor – Evandro deu um sorrisinho irônico. – Você não é tão insubstituível assim.

Murilo arqueou a sobrancelha para ele, então apenas deu de ombros porque estava cansado demais para lidar com a situação. Seus ombros estavam tensos e sua cabeça tinha um leve latejar. Ele precisava de um bom banho, um paracetamol e umas horas de sono.

— Se a doutora Isadora ficar muito perdida, dê uma ajuda para ela. Não acho muito sensato que ela fique tempo demais perto de Daniel.

— Ele é um perigo mesmo. Especialmente se ela for loira e bonita.

Murilo fez uma careta e virou o corredor, deixando o médico e o amigo para trás e sem resposta. Ele passou em frente a emergência do hospital e quase parou ao ver Daniel ali dentro, trabalhando. Ou pelo menos era nisso que ele queria acreditar apesar do médico estar rindo junto de uma criança que tinha o joelho ensanguentado e que estava sobre a maca.

Saiu, então, pela porta lateral que dava direto para o estacionamento. Seu carro, quase sempre, estava próximo a porta de saída e ele precisou só de algumas passadas largas até chegar ao carro cinza estacionado. Ele desativou o alarme e entrou.

Foi só sentar para sentir toda a exaustão tomar conta dele, como se esperasse que seu corpo avisasse que o trabalho havia acabado e podia relaxar.

Murilo não podia relaxar porque ainda precisava dirigir por uns dez minutos até chegar em sua casa. Ele piscou um pouco mais demorado, sentindo o sono ganhar seu corpo. Então colocou a chave na ignição e ligou o carro.

Bocejou.

— Só alguns minutos, Murilo – disse para si mesmo, dando ré no carro para sair do estacionamento do hospital – Só alguns minutos e você vai poder dormir.

Feridas Profundas (HIATO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora