Capítulo 3 - Quem Diria

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Daniel aparecer bem naquela hora.

Aquele definitivamente não era seu dia.

— Isadora Almeida – ela se apresentou, dando um sorriso – Sou a nova cardiologista.

— Daniel – ele deu um sorriso piscando para ela – Seja bem-vinda a Ponte Loucura.

— Ponte Loucura? – Isadora arqueou a sobrancelha.

— O doutor Vale é o traumatologista da equipe – Murilo cortou aquele diálogo antes que piorasse – Ele trabalha quase sempre na emergência, onde deveria estar nesse momento, inclusive.

— O que se pode fazer? Eu sou um rebelde. – sacudiu os ombros.

Isadora riu.

Murilo não estava olhando para ela, mas podia sentir o som da risada sufocada com uma tossida logo que chegou à boca.

— Estão te procurando pelo hospital. Cirurgia de emergência. Trauma craniano causado por um acidente de moto – Daniel bateu os dois dedos na cabeça enquanto falava – A moto atravessou um sinal vermelho e, plaft, direto na lataria de um caminhão de carga.

— Você tem quantos anos para usar onomatopeias mesmo?

Daniel sorriu.

— O suficiente para saber que são recursos fonéticos muito aptos a serem usados em qualquer idade, Murilo. Você deveria saber disso, afinal, não veio da USP – a melhor de todas as universidades?

Murilo grunhiu, o som preso na garganta. Ele queria ter a capacidade de tirar do sério Daniel o mesmo tanto que Daniel conseguia fazer com ele. Mas o melhor traumatologista que ele conhecia também era a pessoa mais inabalável que ele encontrou pelo caminho.

Se Murilo não fosse tão profissional, já o teria demitido há muito tempo.

Mas se tinha uma coisa que Murilo nunca poderia ser acusado era de não ser profissional.

— Certo. Já que você está atoa, como quase sempre que te encontro nesse hospital, leve a doutora nova a sala da equipe e depois a sala dela.

— Vai ser um prazer – Daniel sorriu.

E Murilo quis muito tirar o sorriso dele do rosto com um soco.

Ao invés disso, apenas girou os calcanhares de novo e se afastou o mais rápido possível dos dois, indo em direção a sala de operação.

— Esse aí vai morrer cedinho de problema de coração – Daniel disse, enfiando as mãos no bolso do jaleco.

— Mais fácil ele matar um.

Daniel fixou o olhar na mulher ao seu lado. Ela era bonita. Não dessas que estampariam uma capa de revista, mas daquelas que tinham uma beleza diferente, provavelmente por conta do mistério que ela parecia carregar no olhar. Era um olhar que não se via com frequência. Daniel sabia disso muito bem porque era um olhar que vez ou outra reconheceu no espelho.

Era um olhar de sofrimento.

— Sabe de uma coisa, doçura – ele disse, ainda a olhando – algo me diz que vou gostar de você.

Doçura?

— Me deixe ser um pouco cafona, por que não? – ele levou a mão ao coração – Qualquer pessoa que enfrente Murilo como você enfrentou merece minha admiração. E pensar que a última cardiologista saiu daqui chorando depois que ele gritou três frases.

— Há coisas mais apavorantes que médicos autoritários, Daniel. – ela disse, desviando o olhar.

— Com certeza, há. Vamos?

Feridas Profundas (HIATO)Where stories live. Discover now