Um Espírito vagueando

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Narrador: Yasmin Furtado

Sinto-me perdida neste mundo, esquecida, quebrada, adormecida. Como se todas as pessoas que me amavam tenham morrido, desaparecido ou simplesmente ignoram a minha presença.

Vagueio na minha consciência, colho umas flores, dou-as a oferecer a mim mesma e cheiro-as por outra pessoa. A outra pessoa inexistente que caminha comigo sob esta luz faiscante e obscura. Rio-me das minhas próprias piadas e falo sozinha. Vivo num mundo fictício e perfeito. Não existe dor, medo, ansiedade, apenas amor. Mas tenho noção que nunca o alcançarei. Sinto-me sozinha no meio de uma multidão.

Percorro cada canto da minha casa á procura de uma resposta para este sofrimento, para esta falta de amor, por este medo aparente do próximo.

Sinto-me apaixonada por mim mesma, a minha relação com outras pessoas é nula, o que me levou a fazê-lo, a admirar-me ao espelho, a beijar o espelho à espera que esteja alguém do outro lado do espelho, que o meu reflexo para de me copiar, se levante e me beije.

Choro, grito, esfaqueio-me, ando por casa em poças de sangue e de roupa suja, onde me escondo de pessoas que percorrem a minha casa a correr.

Corto alguma parte do meu corpo, como um dedo, ou um bico de um mamilo, meto-me dentro da banheira cheia de água e vejo o sangue a vaguear à minha volta, a dançar alguma coisa profunda com uma frequência que não oiço, ou não compreendo ou simplesmente ignoro.

Não estou de mal com o mundo, o mundo é que está de mal comigo. Não vejo a morte como uma resposta para os meus problemas, sinto que a minha realidade pode mudar. Que poderei confiar nas pessoas à minha volta.

Sinto a falta dela, ela faz-me falta, o seu sorriso, os seus dentes, as suas doces rugas por onde escorrego de amargura ou escorregava, ela foi morta, já não está aqui, partiu, foi-se, despareceu, sumiu, sim, alguém a matou, tirou-ma a de mim. Sinto um vazio, uma falta de alguém, um coração partido, despedaçado, quebrado, podre, feito em pó e em nada, demasiado maduro para ser colhido por alguém.

Levo-lhe rosas todos os dias, penduro sobre a sua campa, onde agora crescem cogumelos, sinto o seu corpo, a sua alma a tocar-me, a atravessar-me. E isso faz-me sentir melhor a aceitar a minha existência. Estou perdida neste labirinto humano, feito de crânios e ossos deixados, lançados, por aqueles que se importam com a sua vida.

Mas isto não passa de uma passagem proibida, um caminho sem retorno, sem ofertas, nem recompensas...

Vejo um clarão, atravesso-o e abro os olhos...

Dark WaterWhere stories live. Discover now