Sirena

Capítulo 22

Existem momentos em que você se pergunta o que as pessoas à sua volta gostariam que você fizesse. Não há nenhum tipo de egoísmo, não há nenhuma parte do seu corpo ou sua alma disposta a pensar em si mesmo, você deixa de ser altruísta pelo maior dos sentimentos: amor.

Esse era um deles.

Pensei em Attina. Estranhamente, ela veio antes de todos. Como ela se sentiria caso eu dissesse sim, ela passaria a ser minha guardiã? Ela gostaria de se ver livre desse dom que em tanto tempo tornara-se uma maldição? Sua sinceridade constante e o talento nato para me manter com os pés no chão me trouxe até esse ponto em nossa jornada. Pensei também em Caleb, se ele entenderia minha escolha caso aceitasse a proposta do mar. Seu sacrifício que mudou nosso destino para sempre, e a última coisa que eu desejaria é que ele fosse em vão. Pensei em todas as outras guardiãs que sofreram nas mãos de Atargatis por séculos, era injusto não considerá-las quando durante mais de cem anos, fui uma delas.

Os pensamentos tamborilavam em minha cabeça, as lembranças de mais de um século aparecendo em flashes, momentos bons e ruins, eu sem entender se tudo isso era apenas minha mente funcionando ou se o mar tinha alguma influência naquele momento.

"Sabemos que é uma decisão complicada, Siena." A voz de minha mãe, sendo usada com tanto cuidado pelo mar, reverberou em meus ouvidos, me levando, por um segundo que fosse, de volta para minha vida humana antes de cair em mim. Eu precisava tomar uma decisão naquele momento, mas não estava preparada.

Não havia certeza de que algum dia eu estaria.

"Minha querida, nós temos consciência de todos os seus caminhos, principalmente os mais tortuosos, fazem essa escolha dolorida não importa o que aconteça." Senti a água em minha volta se tornar novamente um abraço materno, me reconfortando. Notei o quanto era diferente de como eu me sentia sendo guardiã de Atargatis, que mesmo amável, não me trazia o mesmo conforto e desprendimento. "Você sempre será nossa filha, Siena. Você é a criação das ondas e das areias nas profundezas de nossas águas, você sabe dos segredos aqui guardados, você sente a vibração do nosso passado. Esperamos que faça a decisão correta."

"Eu... Eu não sei se consigo." Minha voz saía entrecortada, mesmo não querendo demonstrar minha fraqueza. "O que aconteceria com Caleb? E as outras guardiãs?"

"Se você aceitar nossa proposta, eles dependerão apenas de você."

"E se eu recusar?" Perguntei, ansiosa. Era assustador a ideia de ter tudo que me sustenta tirado debaixo dos meus pés. A resposta veio após um silêncio que pareceu durar uma eternidade.

"Se recusar, teríamos que decidir o melhor para todos, Siena. E o melhor seria que você e Caleb esquecessem do que aconteceu."

Congelei. As palavras demoraram alguns segundos para entrar no meu sistema, todos os meus sentidos entorpecidos com apenas uma frase, mais especificamente uma palavra: esquecer.

O que por um lado podia significar o começo de uma nova vida, também significaria perder Caleb. Era como o processo de libertação de uma guardiã: Minhas memórias seriam apagadas, minha regeneração pararia de acontecer. Eu envelheceria como uma pessoa normal, seria uma pessoa normal.

E Caleb seria livre.

Caleb poderia recomeçar em um novo lugar, com um novo nome, reconstruir sua história. Poderia encontrar alguém para amar que não lhe colocasse entre a vida e a morte toda vez que o tocava. O garoto sonhador dos cabelos rebeldes poderia ser completamente feliz.

Era desconcertante. Meu cérebro estava a mil por hora, uma mistura de dúvidas e possíveis resultados do que era, sem dúvida alguma, a maior decisão da minha vida. À minha frente, a cena congelada de Atargatis fazendo o ritual em Caleb me afetava mais que tudo: a expressão de dor de garoto que eu amava era um golpe baixo, faria tudo para privá-lo dessa dor.