Capítulo 10

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Eu via as placas e outdoors passarem nas laterais da minha visão. Dirigíamos por quase três horas e se não fosse por Attina eu não teria parado em nenhum momento, mas depois de pararmos em uma loja de conveniências logo na saída do estado da Califórnia, era impossível impedir a guardiã de apontar seus planos no mapa que havia comprado enquanto eu abastecia. Ela havia feito uma rota com uma sharpie vermelha, marcando pontos turísticos e cidades importantes no caminho entre Avalon e a cidade de Saint Joseph, no estado de Missouri. Havíamos procurado uma cidade no interior dos Estador Unidos, e ela era perfeita: grande o suficiente para não atrairmos atenção, e pequena o bastante para não sermos procuradas.

Na quarta hora de viagem, quando já estávamos no estado de Nevada, Attina insistiu para que visitássemos Las Vegas. "Si, não vou lá faz quase 50 anos!", ela disse. "Já estamos na Interestadual e não devemos levar mais de meia hora a partir daqui."

Concordei com a cabeça, levemente distraída em meus próprios devaneios, mas logo fui surpreendida por uma tontura repentina. Parei o carro no acostamento, abrindo a porta e esticando as pernas antes de descer e me deparar com o ar seco do deserto que nos rodeava. Me apoiei no carro, respirando fundo e sentindo meus pensamentos pulsarem com a enxaqueca constante. Ela só havia piorado do momento que subimos na balsa em Avalon até agora, e eu a ignorava junto com todos os pensamentos sobre Caleb, Olivia, Joe, a deusa e até nossa casa; tentei me focar na estrada o tempo todo, mas não dava mais. Senti a mão de Attina em meu ombro e saí do meu transe momentâneo.

"Si... Descansa um pouco. Eu dirijo, minha cabeça não dói quase nada."

Enquanto eu travava uma batalha constante com meus sentimentos, a dor de Attina se devia à dever não cumprido. Por mais que Atargatis fosse como uma mãe, ela ainda nos dava responsabilidades, e Attina simplesmente decidiu ignorá-la. "O que ela vai fazer a respeito?" A guardiã debochou enquanto começávamos a viajem, e a resposta veio imediatamente: Uma pontada grave no peito, e de repente eu tinha uma Attina temporariamente com falta de ar ao meu lado no carro. Segundos depois a dor sumiu, a guardiã levou alguns segundos para se recuperar, mas eu sabia que aquilo não era acaso. A deusa nos vigiava, mesmo estando longe. Não podia se comunicar, mas tinha controle absoluto de nossa saúde e sinais vitais, um dos vários "contras" de devermos nossa vida à ela: Aquilo tinha sido um aviso, mas nós mesmas decidimos brincar com fogo.

Agora era hora de nos queimarmos.

Attina prendeu seu longo cabelo em um rabo-de-cavalo, e tomou o volante enquanto eu sentava para o banco do carona. Ligou o rádio e pediu para que eu me concentrasse na música, mas eu não precisava disso: Me encolhi no banco, levando meus joelhos contra meu peito, abraçando minhas pernas e escondendo meu rosto entre elas. Estranhamente, adormeci naquela posição e só acordei quando Attina estacionava no posto de gasolina na entrada de Vegas, com minhas pernas dormentes e o painel do carro sinalizavam que acabava de passar das duas da tarde.


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Sinceramente, esperava mais da cidade do pecado. Mas também não estávamos lá para ficar turistando por aí. Encontramos um motel próximo usando um aplicativo no meu celular e decidimos dormir por algumas horas até seguirmos viagem, seriam dois dias com quase nenhuma parada e duas garotas que não estavam cem por cento saudáveis.

Após recebermos um olhar mal intencionado do recepcionista do motel, encontramos nosso quarto e resolvemos dormir até anoitecer, já que Attina me convenceu que seria divertido ver a cidade com todas as luzes acesas e eu não conseguia ficar acordada sabendo que não estava suficientemente longe de Avalon. Eu realmente não tinha tempo para pensar em turismo, precisava me afastar dos meus próprios pecados, da minha sina, o mais longe possível de Caleb e toda a tentação que ele representava pra mim nesse momento.

SirenaWhere stories live. Discover now