– Já vi que você não se deixa afetar pelos comentários maldosos sobre nós dois, está acostumado com isso, mas será que dá pra ver as coisas um pouquinho pelo meu ângulo? Os absurdos que estão falando de mim neste exato momento em cada laboratório da empresa?

– Perfeitamente.

– A sociedade ainda é machista. A fama de pegador pode ser ótima pra você, mas é péssima pra mim, sendo eu a suposta ...pegada da história.

Os lábios de Daniel fizeram um contorcionismo estranho para conter um sorriso. Mordi o meu inferior, escondendo-o sob dentes.

– Tudo bem, relaxe – ele estalou os dedos. – Eu já sei o que fazer.

– Ouvi você dizer isso ontem... – fui dura, demonstrando minha pouca fé nele.

Ele ergueu uma sobrancelha, com certo desdém. Esperei que falasse.

– Vou arrumar uma namorada – disparou.

– O-o quê?!

Uma súbita falta de ar tomou meu peito, me trazendo mal-estar.

– Um relacionamento estável, assumido publicamente, pra que as pessoas te deixem em paz.

Daniel caminhou para a cerca, enquanto concluía seu raciocínio ilógico. Eu me recostei no galho de um arbusto, sentindo-me ser agudamente espetada.

– É a única maneira de elas se convencerem de que nossas idas e vindas reserva adentro têm cunho meramente profissional. Não que eu me importe, como você já sabe, mas posso providenciar isso para que se sinta mais à vontade quando estiver circulando por Etna e aqui dentro... comigo.

Fiquei parada, sem reação.

– O que acha de minha ideia? – perguntou, curioso.

– Prática – respondi.

Completamente idiota, eu quis responder, contendo-me apesar do nervosismo. 

Como não podia demonstrar uma fagulha de fraqueza por ele, cortei os pulsos e o incentivei.

– Se acha que isso vai por um ponto final nas fofocas, vá em frente.

Ele assentiu com a cabeça.

Um breve silêncio se fez entre mim e Daniel. 

Permanecemos parados, um olhando para o outro; apenas o canto delicado dos cardeais nos lembrava que estávamos na reserva.

– B-bem, eu já vou indo, então...

Saí do transe rápido, sacudindo de leve a cabeça. Tinha que privar meus olhos daquele ser de beleza indomável.

Ergui a mão num tchau sem graça, sem fitá-lo. Daniel continuou parado no mesmo lugar e na mesma posição, observando-me. 

Antes, porém, que eu desse o primeiro passo em direção ao estacionamento, ele me chamou com certa hesitação na voz:

– Nina... já que está aqui, por que não vem comigo?

Fiquei imóvel por um momento, perguntando-me se ir com ele – naquelas circunstâncias quase solucionadas ou, ao menos, esclarecidas – seria uma decisão inteligente.

– Por favor? – ele estreitou os olhos.

Senti minhas mãos formigarem.

– Vamos... não me faça implorar... – pediu com uma maciez na voz que me deixou zonza.

Tentei controlar minha vontade.

– Não entendo nada de plantas venenosas, Danny... – minha lamentação era mais uma desculpa para não ir e me livrar da sua presença desconcertante. – O que eu vou fazer lá?!

– Pode me distrair com sua supersinceridade.

Fiz uma careta para ele, que riu.

– Eu quis dizer de útil...

– Hummm... – ele olhou para sua caixa de ferramentas, tentando enxergar através da tampa.

– É a minha condição – impus ousadamente, com uma autoridade que eu não tinha.

– OK, Nina. – ele concordou.

Daniel foi até sua caixa ferramentas, abriu-a e tirou de lá um par de luvas de borracha amarela. Olhou-me, ainda agachado, e as sacudiu vigorosamente para mim.

– Então, vamos tentar fazer isso... sem que nos mate.

                                                                                                   ***

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