22. MANGA (parte III)

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Assim que me coloquei ao seu lado, ele começou a puxar conversa.

– Não sabia que você gostava de acordar cedo.

– Não sabe muitas coisas a meu respeito, Daniel.

– Daniel?! – ele franziu o cenho, olhando para mim.

– É – ergui os ombros. – Não é esse o seu nome?! – lá ia eu, soltando mais uma resposta inconveniente, cheia de ironia. Mordi o lábio inferior com força, punindo-me.

Ele parou e ficou me fitando. Tive de parar também.

– Qual o problema, Nina? Você já estava me chamando de Danny... e eu já tinha esquecido o seu Eva Angelina.

– Entendo a informalidade com que você, Sumai e Ojore se dispensem mutuamente em nosso ambiente de trabalho, uma vez que são irmãos... Mas eu sou uma mera subordinada e prefiro manter um tratamento mais respeitoso em relação a vocês.

– Ahn... já deve ter ouvido mais coisas a respeito de nós três do que o necessário.

– Não muita, mas o suficiente. Soube que, além de irmãos, são filhos do fundador de Etna.

– Isso significa muita coisa pra você?

– Não estou entendendo.

– Vai ficar me tratando desse jeito só porque ocupo um cargo bom na empresa?

– Além de ser meu chefe, você é dono deste lugar, Daniel – inclinei minha cabeça ligeiramente de lado, num gesto desdém. – Como quer que eu me dirija a você?

– Do mesmo jeito com que me tratou na noite em que nos conhecemos. Com naturalidade.

– Impossível.

– Por quê?

Eu ia derramar mil coisas ali, mas travei a língua e me contive, dando-lhe apenas uma resposta educada.

– Eu sou sua funcionária. Uma das muitas formiguinhas do seu jardim. – usei o polegar e o indicador como medidor do meu tamanho insignificante ali dentro. – Por isso não podemos nos tratar de igual para igual. Isso responde sua pergunta?

Daniel fez uma breve pausa, depois falou.

– Então, quer dizer que a partir de agora vai dizer apenas aquilo que me agrada e não o que realmente pensa?

– Claro – falei com frieza demasiada. – É assim que as coisas funcionam. Eu derrapei na curva da primeira volta do circuito, mas aprendi a lição – abri um pouco os braços. – Só me dirijo a você como meu superior hierárquico e só falo aquilo que for estritamente necessário para o trabalho. Garanto que não vai ouvir mais nenhuma besteira de mim.

Vi seu rosto irretocável ficar, subitamente, sério.

– Vou te despedir, então – comunicou-me, calmo, nenhum traço de brincadeira na voz.

– O-o quê?! – gaguejei, indignada. – M-mas, isso não é justo!

Eu estava me contendo, dando respostas aceitáveis e ele ia me despedir por isso?

– Sob meu ponto de vista é muito justo... – ele reafirmou sua intenção.

– Daniel! Eu só... Droga! Estou me colocando no meu lugar para corrigir a besteira de ter falado demais quando nos conhecemos! – engoli a seco - Não vê que estou tentando fazer a coisa certa?!

Ele ficou impávido, sem se convencer ou se comover com minhas justificativas.

– Escute... se quiser me despedir por saber que sou uma farsa, uma intérprete desqualificada, tudo bem, vá em frente! Mas fazer isso só porque estou me enquadrando, não!

Fragmentos de uma ConchaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora