14. PESADELO (parte II)

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Enquanto corria até o cyber café do Center, à procura de wireless, tentava enviar mensagens através do telefone celular para a Amy, com a palavra "socorro", em caixa alta. Assim que pontinhos denunciaram o sinal de que precisava, comecei a escrever pra valer, errando mais do que acertando as letras. 

Minhas frases ganhavam a tela do aparelho de modo compulsivo.

– Amy, se estiver aí, por favor responda!

– Estou em graves apuros! Se estiver aí, me responda agora.

– Eu disse AGORA!!!!!

Nada. Ela não respondia, e eu não ia poder esperá-la por muito tempo. 

Depois de alguns minutos, meu telefone tocou.

– Nina, cadê você?!

Era a Amy com tom de voz assustado.

– Eu é que pergunto cadê você?! Por que não me respondeu?! – percebi que quase gritava com ela na linha, enquanto esmagava o celular na mão direita.

– Eu estava indo para o trabalho, e só vi sua mensagem agora que desci no ponto de ônibus!  Quer me dizer logo o que está acontecendo?! Está me deixando assustada!

– E-essa ligação vai detonar o seu salário, vamos trocar mensagens! - finalizei a ligação e, antes mesmo de voltar a digitar as letras minúsculas, as perguntas da Amy já estavam lá.

– Nina, o que houve?! Onde você está?!

– Em que apuros se meteu?!

– Está mesmo em perigo? Caramba, se estiver de brincadeira...

Comecei a responder.

– Estou em Etna, neste planeta verde cheio de nerds vegetarianos para onde vc me mandou. Onde mais eu poderia estar?

– E qual o problema?

Amy queria objetividade, eu não sabia como começar a narrar o desastre de minhas últimas 24 horas.

– Tudo bem, vamos lá... não vai dar para contar tudo com detalhes, porque daqui a cinco minutos terei que assistir a uma palestra com o mandachuva da empresa... mas vou resumir meu problema em poucas palavras...

- Conheci um cara, ontem, bem não exatamente um cara, mas O CARA...

- Você não ia acreditar, nem dá pra descrever ele...

- É simplesmente lindo de morrer...

Fiz uma pequena pausa, a figura de Daniel atrapalhando novamente meu raciocínio.

Amy ficou na espera. Prossegui como pude.

- Bem, achei que ele era um dos jardineiros de ETNA, porque vestia um macacão horrível, estava imundo e carregava uma maleta com pás, tesouras de poda e tudo mais...

- Eu estava faminta, ele me levou para fazer um lanche e então comecei a falar besteiras...

- O meu tipo de besteiras, vc sabe...

- Olha, não dá pra explicar tudo agora, o fato é que ele não era jardineiro coisa nenhuma, o Deus ameríndio é MEU CHEFE...

Fiquei esperando a Amy teclar, só que, ao invés disso, ela sumiu.

Não acreditei que tivesse me deixado ali, parada, sem dizer nada.

Liguei para ela, que atendeu na primeira chamada.

– Ei! O que houve?! Por que não me respondeu?! – protestei.

– Está brincando comigo?! A gente não se fala há dois dias e você está me ligando pra dizer que flertou com o jardineiro da empresa?!

– Sim! Q-quer dizer não! E-eu, digo, nós não fizemos nada... só conversamos...

– Nina, me poupe dessa conversinha ridícula. Eu achei que você tinha ligado porque realmente se tratava de uma emergência!

– Mas é uma emergência, será que você não entende?! – supliquei.

– Pensei que precisava de minha ajuda... pra valer – a voz dela ficara baixa ao telefone, quase triste.

– Eu preciso de você!

– Nina, por que nem me enviou uma mensagem para dizer que estava bem quando chegou aí?

A Amy estava falando sobre nossa briga agora, parecendo mais magoada do que imaginei.

– A culpa é sua! – acusei-a. – Foi você quem disse que iria até o aeroporto comigo e me deixou sozinha, sequer apareceu por lá! Pediu pra tia Helena entregar aquela carta idiota como se fosse uma criança de cinco anos!

– Aposto que não leu ela, leu?

– Não li mesmo, e nem vou ler, tá legal?

– Por isso você não entendeu nada... – ela arfou do outro lado da linha. – Olha, Nina, quando crescer um pouco pode voltar a falar comigo, OK? Antes disso, me esquece! Eu tenho mais o que fazer. Tchau!

– Amy, não desliga, por favor... estou desesperada... – estava mesmo. – Meu problema é grande e você tem participação nele, a começar pelo currículo mentiroso que enviou pra cá!

– Do que está falando?!

– Escute, o interurbano da Califórnia pra Minnesota vai ficar muito caro e você sabe que eu não tenho grana para pagar a conta! Fica online agora! – desliguei a chamada para não lhe dar chance de responder.

Olhei para a tela, onde Amy já escrevia com velocidade total.

– Qual é o seu problema?! Eu lhe arranjei o emprego dos sonhos de qualquer graduado no planeta e vc está me acusando de... ??? Ter lhe ajudado??? É isso?!

Minha vez.

– Cala a boca e me escuta!

– Digo, me leia.

– Eu não estou acusando vc, só estou dizendo que eu disse para o meu chefe, sem saber que ele era meu chefe, claro, mas só um jardineiro sexy, que foi vc quem me mandou pra cá...

– Disse a ele que eu tinha um péssimo currículo escolar e que não era intérprete coisa nenhuma...

– Que só falava português e mal arranhava o francês...

– Que só pensava na grana e nas férias...

- Resumindo, dei de cara com o sujeito, há vinte minutos atrás, e descobri que ele é meu CHEFE!!!!!

– Por favor, me ajuda!!!!

– O que eu faço, agora???

Eu implorei para que ela dissesse algo sensato.

Amy tinha muito mais maturidade do que eu, em todos os sentidos. Ela sempre conseguia dizer as palavras certas nas horas certas.

Por um instante, nada apareceu na tela. 

E então, letra por letra, tediosamente tecladas, formaram palavras que se uniram compondo duas singelas frases:

– Me avise quando chegar aqui.

– Te pego no aeroporto.

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Desgraçada!, xinguei-a, antes de bater  o aparelho de telefone celular na testa, quase chorando.

                                                                                        ***






Fragmentos de uma ConchaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora