41. COMPRIMIDO (parte III)

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Quando o telefone parou de tocar, até pensei em deixá-lo no escritório mesmo, para que Daniel o pegasse na volta da reserva. Mas o que aconteceu foi que o objeto voltou a chamar e chamar, parecendo desesperado. 

O sistema de identificação de chamadas dizia que o número era restrito, ou seja, podia ser alguém importante, um contato ligando do exterior, o diretor precisando fazer uma consulta de emergência com Daniel.

O mais sensato a fazer era correr até o estacionamento para tentar devolver o aparelho a seu dono. 

Fiz um esforço titânico para me deslocar até lá com a maior rapidez possível, tentando esquecer a forte dor muscular. Só que quando cheguei, não o vi mais. 

Como o dia estava claro, arrisquei-me até o começo da trilha da reserva, para checar se Daniel ainda estava por ali.

Nem foi preciso gritar seu nome. Ele estava encostado no tronco enrugado de um pinheiro, aparentemente à minha espera.

– Você demorou – foi o que disse assim que me aproximei, vendo-o se inclinar para pegar a caixa preta de instrumentos no chão coberto de folhas.

– V-você esqueceu isso de propósito, só pra me forçar a vir até aqui?!

Tive vontade de atirar o celular na cabeça dele.

– Bem, eu te convidei – ele ergueu os ombros, como se o fato de ter me pedido para vir antes perdoasse sua malandragem.

– Eu recusei o convite! – protestei.

– Desculpe... eu não estou acostumado a receber não como resposta – foi a justificativa que me deu, com certo convencimento na voz.

De fato, me perguntei naquele instante, que mulher teria sido capaz de lhe negar um pedido. Qualquer pedido. Mordisquei o canto da boca com raiva.

– Vá se acostumando, então! – joguei o celular para o alto e dei-lhe as costas antes de vê-lo pegar o objeto no ar.

– Nina, espera! – gritou.

Não atendi ao apelo.

Antes que o eco de sua voz se desfizesse na mata, Daniel estava ao meu lado, segurando-me pelo cotovelo.

Levei um susto. Não dava para saber como ele tinha chegado até mim com tanta rapidez, mas, por estar chateada, ignorei sua tremenda agilidade. A mesma, aliás, que tinha usado na academia, na noite anterior, para vencer dois lances de escadas em tão pouco tempo. 

Daniel me soltou e recuou um passo para trás.

– Eu queria que viesse por vontade própria, mas você não veio – sua voz era mais branda, agora, sem sinal do sarcasmo de antes.

– Daí usou um truque sórdido.

– Confesso que nunca precisei fazer isso antes.

– Droga, Danny!

Passei as mãos geladas pelos cabelos, chateada.

– Eu entrei em Etna com o pé esquerdo! Tinha tudo para ser mandada embora e você me deu a chance de ficar, não foi? Então... só estou tentando fazer as coisas da maneira correta, sem me envolver em mais problemas...

Daniel olhou para mim, pensativo.

– Eu só queria dar um tempo antes voltar aqui na sua companhia... – concluí.

– Te incomoda assim que falem de nós dois... juntos?

– Incomoda.

Cruzei os braços. 

Fragmentos de uma ConchaWhere stories live. Discover now