O irlandês cerrou o maxilar tenso para não soltar tudo o que lhe ia na cabeça, para ignorar a dor pulsante que lhe esmagava a mão alvejada e irradiava pelo braço até ao ombro.

– Qual é o objetivo? – perguntou Jake, finalmente.

O homem cruzou os braços, parecendo indiferente à arma abraçada contra o roupão branco que envergava e confiante de que Jake não atentaria contra ele quando já lhe mostrara do que era capaz. Os dois homens estudaram-se com intensidade. Jake notou as imperfeições corrigidas num rosto que já vivera mais de cinquenta anos e que queria fugir do tempo e das suas marcas; o loiro platinado e perfeito que provavelmente encobria os fios brancos que lhe denunciariam a idade. O homem notou a perda de vigor que a postura de Jake não deixava escapar. Cobrindo a mão ferida com a outra, recostado na cadeira que não lhe conseguia dar o conforto certo, era óbvio o seu estado de debilidade crescente.

– Em que fase estás? – O homem devolveu a pergunta após um minuto de silêncio em que a tensão era quase palpável. – Deixa-me adivinhar. O teu sistema imunitário ainda funciona. Tens febre alta mas não alta o suficiente para que o teu corpo se desligue porque todas as células correm o risco de morrer por excesso de calor. Dou-te três horas para ficares inconsciente, talvez metade para começares a delirar. – Jake engoliu em seco com as previsões e não conseguiu contestar, apesar de a sua mente o tentar afastar daquela possibilidade a todo o custo. – Os teus rins já não funcionam. O teu corpo está a deixar de produzir sangue e todo aquele que te resta está a esvair-se pela destruição dos teus vasos sanguíneos. 

O homem aproximou-se o suficiente para se curvar e olhar diretamente para os olhos azuis do irlandês, raiados de sangue e com uma tonalidade amarelada que não indicava vigor. Inconscientemente, Jake limpou o nariz e deixou que o sangue da sua mão ferida se misturasse pelo que lhe descia pelas narinas e se misturava na barba. 

– O teu coração está a bombear sangue o máximo que consegue, mas depois vem a arritmia e talvez morras com um ataque cardíaco, se tiveres sorte. Não é fascinante? O corpo humano em toda a sua imperfeição a auto-destruir-se por causa de um intruso com que não sabe lidar e que ele próprio criou.

– Eu não estou doente – insistiu, contrariando o que ouvia e que o seu corpo comprovava.

– Mesmo que encontrasses a cura a imperfeição do teu corpo não te deixaria viver uma vida longa. Imagina que essa veia na tua testa rebenta. O teu cérebro vai perder sangue e os neurónios começam a morrer. Os neurónios são as células mais humanas que existem, sabes? Elas não se renovam. Nascem, morrem e pronto. Vais chegar ao ponto em que eles se vão auto-destruir e então é o teu fim. Não é reversível e vais preferir morrer a viver como um vegetal para o resto da vida, que olhando para o teu estado lastimável deve durar umas vinte e quatro horas.

Vinte e quatro horas.

Kim cobriu a boca com a mão que não segurava a arma, tentando conter o gemido fraco que lhe escapou pela novidade. No mesmo instante, a rapariga quis sair debaixo da cama e certificar-se do estado de Jake, olhá-lo, tocá-lo e perceber que nada do que era descrito era verdade. Ele apenas estava cansado e desiludido consigo. Jake não podia estar doente e ninguém ter notado. Jake não podia estar perto da morte e se ter sacrificado a acompanhá-la naquela aventura que lhe roubaria a vida, de uma forma ou de outra.

– Qual é o propósito disto? – persistiu Jake, ignorando tudo o resto. Ele não fora àquele local com o propósito de aconselhamento médico. Tudo o que precisava era a verdade sobre aquele local. Sobre Kim. – É humano. As fotografias em que aparece são antigas. É tão defeituoso como eu, talvez mais. Eu vejo um grupo de humanos imperfeitos a brincarem aos deuses enquanto tentam criar mulheres perfeitas e iguais umas às outras. Nenhuma destas raparigas recebeu o bilhete dourado no correio, Willy Wonka. Acredito que o mundo não lhe tenha encomendado um extermínio, também. Criar um vírus para exterminar uma espécie inteira? Espero que nos seus períodos de lucidez tenha tempo para relembrar a História e perceber que os vilões normalmente não ficam com a miúda no fim. 

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