CAPÍTULO 4

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Estamos numa espécie de garagem, há uma luz alaranjada que vem do teto, o lugar é frio e tem cheiro de mofo, a minha mãe está circulando pelo local freneticamente, quando finalmente decide falar.
-Quando a Pangéia foi criada, o objetivo era "purificar" a população dos continentes, durante alguns anos o sistema funcionou, mas uma grande guerra foi gerada. A Pangéia era um investimento a longo prazo, mas os problemas lá fora precisavam de uma solução imediata.
-O que você quer dizer com isso?
-A Pangéia deveria ser a solução dos problemas que estavam acontecendo, os conselheiros então decidiram que precisavam agir para acabar com os conflitos, então ordenaram um ataque nuclear a todos os continentes, para acabar com o mal de uma vez por todas.
-Mas a Pangéia não deveria ter armas, como conseguiram poder nuclear?
-Foram precisos mais alguns anos até que houvessem homens da Pangéia infiltrados no poderio militar dos continentes- Sua voz fica rouca- Eles foram destruídos por suas próprias armas.
-Então a Pangéia foi responsável pela destruição dos continentes?
-Isso mesmo Peter, mas essa não é a pior parte...
-E qual seria a pior parte?
-Há quantos anos você acha que seu pai está dentro do conselho?
-Bem... Desde que nasci... Ele já fazia parte.
Enquanto as palavras vão saindo da minha boca eu lembro de como a minha mãe disse que não deveria contar a ele sobre o que vimos, lembro de como ele me olhou quando perguntei os motivos que levaram a Pangéia a cortar relações com o mundo lá fora... Meu pai estava no conselho que ordenou o ataque nuclear aos continentes.

***
Estou deitado pensando sobre as coisas que a minha mãe disse, o meu pai ordenou o ataque nuclear que destruiu os continentes. A minha mãe falou que os membros do conselho informaram ao povo que o contato com a sociedade externa seria cortado para impedir que a sociedade "pura" da Pangéia se contaminasse com as pessoas de fora. Claro que isso é mentira, o conselho apenas não queria que o povo descobrisse a verdade, descobrisse que os homens que tanto pregam sobre paz e respeito foram responsáveis pela destruição dos continentes.
Quando o meu pai chega em casa, não consigo evitar a bomba de sentimentos negativos que me invade, pensar que todo esse tempo eu vivi com um assassino que age como pacifista é o bastante para que as lágrimas deslizem pelo meu rosto, o homem que eu admirei, que sempre considerei justo, não passa de um criminoso. Por que a minha mãe ainda está com ele? Não consigo reprimir esse pensamento.
-Peter, desça meu querido, o jantar está pronto.- A voz da minha mãe me tira do estado de torpor, enxugo as lágrimas e vou até a cozinha.
-Peter, espero que esteja pronto, amanhã é seu primeiro dia no emprego.- A voz do meu pai soa tão natural que quase esqueço as coisas que ele fez.
-Claro, eu estive procurando por alguns apartamentos, acho que já tenho onde morar.
Um silêncio repentino toma conta do local, é claro que eu não estava procurando um lugar para morar, mas simplesmente não consigo mais ficar na mesma casa que o meu pai, tendo que esconder todos os dias a raiva, o desprezo, tudo que sinto por ele.
-Ah, claro, você não precisa mais morar conosco.
Não esperava ouvir um tom de tristeza vindo do meu pai, é claro que ele foi responsável pela morte de milhões de pessoas, mas eu ainda sou seu filho, é claro que ele não é um monstro completamente sem emoções.
-Isso não significa que nunca mais vamos nos ver.
Quando olho para a minha mãe, percebo nela um ar de indiferença, é quase como se ela já esperasse que eu dissesse aquilo. Então depois de um bom tempo ela finalmente olha para mim e responde com um sorriso:
-Não ache que vai se livrar de nós Peter, a Pangéia não é tão grande.
-Isso nem passou pela minha cabeça.- Digo retribuindo o sorriso.

***
Katherine está sentada ao meu lado, estamos recebendo informações sobre como usar bastões de choque, desde que chegamos aqui é só isso que temos feito, recebido informações, como nada acontece aqui, algumas horas de aula sobre como usar os computadores do departamento, bastões de choque e ter acesso as imagens das câmeras de segurança da cidade bastam para formar seguranças "capacitados" na Pangéia.
-Ontem você foi embora sem mim.- Katherine fala com um tom irritado.
-Eu não te encontrei, achei que tivesse ido sem mim, então resolvi voltar pra casa
-De qualquer forma, eu e uma amiga vamos sair hoje à noite, você não quer ir com a gente?
-Uma amiga?
Ela aponta para o outro lado da sala com a cabeça e eu vejo uma garota ruiva, eu nunca fui de ficar observando o corpo das meninas, a minha mãe sempre me disse que eu não deveria fazer essas coisas, mas ela era muito bonita, seu cabelo está a altura dos ombros, liso e impecável, ela deve ter mais ou menos a minha altura, e tem olhos verdes, uma cor nítida.
-Christina, ela é uma amiga de infância.- Fala Katherine acenando para Christina, que retribui o aceno.
Eu normalmente não saio com amigos, mas eu sempre tenho dinheiro comigo, minha mãe diz que é para o caso de uma emergência, mas nunca precisei realmente.
-Claro, para onde nós vamos?
-Uma cafeteria, não é muito longe daqui.
-Nada é muito longe de nada aqui, Katherine
Ela responde com uma risada quase exagerada, mas não o bastante para chamar a atenção dos instrutores.
Quando tudo termina Katherine faz um sinal e Christina se aproxima de nós.
-Esse é Peter, o menino que eu te falei.
Fico surpreso ao ouvir isso, não imaginei que ela falasse de mim para as pessoas, afinal trocamos algumas palavras pela primeira vez ontem.
-Ah, prazer, eu sou Christina.
-Eu sei- Ela cerra os olhos e inclina o rosto como se esperasse por uma explicação- quer dizer, Katherine me disse seu nome.
-Muito bem, vamos então?

***
Estamos sentados em uma mesa, Katherine está ao meu lado, Christina está logo a minha frente, elas estão falando sobre algo que não entendo muito bem, mas eu aceno com a cabeça todas as vezes que terminam uma frase. De vez em quando Christina olha para mim e me da um sorriso, mas não dura muito, então apenas retribuo cada sorriso.
-Então Peter, você tem uma namorada?- Katherine me cutuca com o cotovelo enquanto pergunta, depois solta uma gargalhada.
-Se eu tivesse uma, não estaria com duas garotas, da minha idade, numa cafeteria, vocês não acham?
Antes que Katherine responda ouvimos o barulho de um tiro, bem próximo a nós, Christina não se contem e solta um berro apontando para trás de mim e de Katherine, eu me viro para trás ainda sem entender o que está acontecendo e vejo, bem atrás de o corpo de uma garçonete no chão, tem um buraco bem abaixo do seu peito, por onde está saindo muito sangue. De repente ouvimos mais tiros, dessa vez as janelas se estilhaçam e nós três nos jogamos pra baixo da mesa, estamos sendo atacados, a voz da minha mãe soa dentro na minha cabeça como uma bomba explodindo "Os guardas da fronteira são os únicos que podem usar armas, já que as pessoas dos continentes também as usam". Mesmo depois de saber o que o conselho fez com os continentes anos atrás, ainda sei que as pessoas da Pangéia seguem as regras bem a risca, os guardas da fronteira não usariam armas se não fossem para defesa, quando concluo o pensamento as palavras simplesmente saem da minha boca
-São dos continentes, estamos sendo atacados por pessoas de fora da Pangéia.

PangéiaWhere stories live. Discover now