III

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Madre Berlinda estava estranhando meu comportamento nas últimas semanas. Eu estava indo a capela mais vezes do que o normal e, graças as minhas orações, não encontrei mais Alexandre. O via de longe com padre Fernando, mas tirando isso, nenhuma tentativa de aproximação. Respiro aliviada, indo em direção ao meu dormitório. Depois de tomar banho, verifico as horas. Faltava pouco para as luzes serem desligadas. Deito na cama, esperando cair no vale dos sonhos.

Nas últimas duas semanas vinha pensando em falar para Madre o que Alexandre havia feito comigo, mas ele era o aprendiz do padre e eu só uma freira, em quem eles iriam acreditar? Nele. Então achei melhor ficar calada.

As luzes são apagadas, espero passar meia hora sem resultado de sono e saio de meu quarto em silêncio. Não era permitido ficar fora dos quartos depois de certo horário, mas meu quarto era muito abafado e não conseguia ler nele, na biblioteca era muito melhor. Depois de ser muito cuidadosa, entro na biblioteca e pego o livro que escondi, mesmo sabendo que quase ninguém vinha aqui. Sento no sofá e me perco na história. Às vezes eu me perdia na leitura e quando me dava conta, já estava amanhecendo. Isso sempre resultava em uma corrida até o meu quarto sem ter dormido nada a noite toda, mas valia muito a pena.

— Cabelos bonitos — levo um susto e fecho o livro com força.

— O que está fazendo aqui? — me sento direito no sofá e tento me proteger segurando o livro firme em frente aos meus seios.

— Dando uma volta, igual a você — Alexandre olha ao redor. Ele estava usando uma camisa regata mostrando os braços. Eu nunca tinha visto braços assim, era impossível não ficar olhando, e tinha… tatuagens! Tatuagens cobrindo o braço esquerdo todo.

— Você tem tatuagens. — sussurro distraída.

— Tem fetiche por homens com tatuagem?

— Quê? Não! Só, como pode estragar sua pele dessa maneira? — desvio a atenção de seu braço. Ele estava descalço e com uma calça bastante folgada, creio eu que seja uma espécie de pijama.

— A pele é minha — Alexandre senta na perna do sofá e me encara. — O que faz sozinha em uma biblioteca tão tarde, irmã?

— Estou lendo, não é óbvio? — tento mostra que ele não me intimida. — E você, o que faz fora de seu quarto, que é do outro lado do convento?

— Talvez esteja seguindo você — ele senta no sofá, mais perto de mim. Engulo em seco. — Com medo, doce Eva?

— Não — ele ri — Fique longe de mim. Vá atrás de outra pessoa para você intimidar.

— Eu intimido você?

— Não! — ele ri de novo.

— O problema é que eu gostei de você, Eva, principalmente depois daquele beijo.

— Você tirou algo meu sem meu consentimento.

— O que eu quero tirar de você é bem mais que um beijo.

— Não quero saber o que isso significa — aperto ainda mais o livro em minhas mãos. Eu deveria estar com medo, mas não estou.

— Com quantos anos decidiu ser freira? — pergunta casualmente. Ele estica as pernas e eu sigo a extensão de suas pernas até o pé e volto a olhar pra cima e me deparo com ... meu rosto esquenta de vergonha. Olho para ele que está sorrindo pra mim.

— Eu nasci sabendo meu destino.

— Como?

— Minha mãe não podia engravidar. Quando ela estava com quarenta e quatro anos, ficou grávida de mim então…

Por que mesmo eu estava contando isso a ele?

— Continue, Eva.

— Então... — resolvo conta de uma vez para evitar mais perguntas — Meus pais fizeram uma promessa. Se o bebê fosse menino, ele seria padre, e se fosse menina, freira.

— E agora você está aqui — ele inclina o corpo para frente, apoiando os cotovelos no joelho. — E se você quisesse outra coisa além desse lugar?

— Meu lugar é aqui, eu sou um milagre.

Ele bufa, irritado.

— Você só tem dezenove anos, pelo amor de Deus! Não sabe nada sobre o que é viver de verdade, você deveria estar em festas, bebendo e fazendo besteiras — Permaneci em silencio pois odeio confessar isso, mas sempre me imaginei fazendo esses tipos de coisas. Toda vez que assistia a um filme e via os jovens se divertindo, me pegava pensando, e se fosse eu ali? Mas não vou confessar isso, principalmente para ele. — Como pode estar trancada aqui dentro sem ter vivido o melhor da vida?

— Por que parece tão irritado?

— É porquê estou! Como o mundo pode ter perdido isso… — ele aponta para o meu corpo todo. — Pra Deus.

— Eu quis isso.

— Não, você não quis. Foi criada acreditando que isso era o que você queria.

— Eu aceitei meu destino! — digo orgulhosa, mas uma voz no fundo da minha consciência me dizia o contrário.

— Há, Doce Eva — ele balança a cabeça em negativa, mostrando o quão ingênuas foram minhas palavras — Eu vou lhe mostrar o melhor da vida.

— Não! — levanto em pulo — Eu quero você bem longe de mim! Eu posso ser expulsar se descobrirem o que você fez comigo. Aquilo foi assédio, e se eu eu me der mal você também irar.

Vejo o seu rosto ficar sem reação e por um breve momento acho que  vejo a culpa toma conta de suas feições, mas logo em seguida descubro que imaginei tudo isso pois o que ele fala em seguida  não mostra nem um tipo de arrependimento.

— Você retribuiu o beijo.

— Fique longe de mim, Alexandre — ele se levanta assim que eu finalizo minha fala.

—Alexandre? — ele se aproxima. Me sinto como um animal na mira de um predador.

— Alex — me corrijo rápido. Largo o livro em cima do sofá e dou a volta, mas ele ainda me segue.— Por que eu? — ele para — Entre tantas freiras nesse lugar, por que você escolheu justo eu para atormentar?

— Você já percebeu que aqui só tem velha? — ele dá um passo em minha direção.

— Meredite tem sua idade.

— Não quero Meredite.

— E nem a mim. Me deixe em paz.

— Agora já é tarde de mais.

Corro para a porta mas ele entra na minha frente.

— Eu vejo o diabinho em seu ombro. Vejo as dúvidas passando em seu rosto. Nunca pensou em como realmente é o mundo lá fora? — várias vezes — Como seria sair dessa rotina monótona? Ter adrenalina passando pelo seu corpo, apenas para variar.

Sua mão sobe pelo meu braço, e na medida que ela sobe, sinto calafrios. Ela vai até meu ombro e desce novamente. Era como se ele estivesse tentando me deixar aquecida. Reprimo a vontade de fechar os olhos. Meu corpo ficar parado, não mexo um músculo sequer para ir em direção a porta. O que tá acontecendo comigo?

Alexandre leva a mão até meu rosto e o segura, fazendo carinho com o seu dedo em minha bochecha. Fecho os olhos devido a carícia. Suas mãos eram tão quentes. Sinto seu rosto se aproximar do meu, mas ele não faz o que fez da última vez, ele apenas sussurra em meu ouvido:

— Eva comeu a maçã proibida — abro os olhos. Ele estava cara a cara comigo, olhando fixamente em meus olhos — Eu vou ser sua maçã Eva.

Convento Where stories live. Discover now