Não é por mal.....Mas vou te fazer chorar

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Voltamos do "almoço", a tarde passa. Estou à frente da empresa já faz uma semana, enquanto o Sr. Geraldo viaja a negócios. Sr. Geraldo....Nunca conseguirei agradecer o suficiente por todo o incentivo, todas as oportunidades que tive nestes cinco anos. Cinco horas. Procuro no bolso a chave da porta principal. O resto, já trancado. Lá vai Suzana com sua bicicleta, acenando sorridente. Finalmente encontro, num dos tantos bolsinhos na minha bolsa, a bendita chave. Alarme acionado, agora a segunda busca pela chave do carro, esta fica mais rápida pois guardo sempre no mesmo cantinho.

Finalmente em casa! Uma faxina é necessária, o que faço rapidamente. Agora é ler um livro, rabiscar umas coisas e esperar o sono chegar.

Sexta-feira. Não compartilho do sentimento eufórico de todos, comemorando como se fosse o prenúncio de um grande feriado, mas admito que gosto da sensação de dever cumprido e de poder, é claro, descansar por dois dias. 

 O ponteiro do relógio se arrasta... como está custando a passar este dia! Hoje está tudo tão parado! Desta vez, Suzana e eu conseguimos almoçar sem problemas. Combinando com o dia parado, sossegado, conversamos sobre amenidades. 

A tarde passa. Suzana está silenciosa lá na recepção, batucando algo no teclado. Não vou lá ver o que é. Acho que ela ainda está pensando no desconhecido e em como se arriscou em dar-lhe ajuda.

Todas as planilhas de custo já foram feitas e a lista de afazeres para segunda-feira tem uns itens já adiantados. Vou riscando o que já está pronto e coloco a lista no mural, para vê-la logo que chegar. Acho que vou deixar algo para enfeitar a mesa do chefe. Não quero bancar a bajuladora, mas cinco anos de convivência e o fato de ele ter me incentivado a crescer durante todo esse tempo, levando-me a desenvolver um potencial que eu nem sabia que tinha merecem uma compensação, oras. Uma voz interrompe o fluxo de meus pensamentos.

- Ana, com licença... posso deixar contigo as pastas com os relatórios para entregares ao chefe na segunda?

- Oi? Claro, Marisa, deixe aqui que coloco na mesa dele.

Marisa sai e volto a olhar o relógio. Quinze para as cinco. Hora de desligar o computador, ver se tudo está em seu lugar e começar o processo de trancar e fechar o escritório.

Os funcionários aqui são cordiais, me dou bem com todos. Mas tenho me sentido um pouco só. Acho que por passar tempo demais no escritório estabelecendo metas com o Sr. Geraldo, o que não dá muito tempo para conhecer melhor as outras pessoas que trabalham aqui. E esta semana em que ele não está e confiou a mim esta tarefa de administrar tudo só não está solitária de vez pois consegui ao menos conversar com Suzana. Ficar cuidando disso tudo sozinha não é confortável, por mais que eu goste de meu trabalho e, modéstia à parte, esteja me saindo bem na tarefa.

Suzana faz um gesto para mim. Telefonema.

- Ok, pode deixar que atendo daqui.

Encosto o aparelho no ouvido, e antes mesmo do alô, recebo a notícia... Não consigo acreditar.. O chão parece sumir debaixo de meus pés, uma sensação de tontura me domina por um instante. Consigo murmurar: "Ok, então.. Tomarei as providências necessárias..." 

Encosto-me na parede, respirando fundo.Não... isso não pode ter acontecido. Não agora. Não deste jeito! Ainda apoiada na parede, vou escorregando  lentamente, acabando por ficar sentada no chão. Respiro fundo, sinto-me suar. Minhas mãos tremem e meu olhar fica fixo em lugar nenhum.  Ouço a voz de Suzana, assustada, me chamando repetidamente. Pisco e consigo sair um pouco do estado de choque, levantando a cabeça e conseguindo olhar para sua figura atônita à porta: 

- Suzana... me dê um minuto...reúna toda a equipe que está trabalhando...é importante!

Como vou contar para ela? Logo para Suzana? A funcionária que o Sr. Geraldo tratava como filha? Ela, que está aqui a mais de cinco anos e o considera tanto? Não consigo acreditar. Mas é real. Levanto-me lentamente, pensando qual a melhor maneira, se é que há uma, de comunicar a todos os funcionários sobre a tragédia que ocorreu.

- Ana.. já chamei todos, estão lá na recepção.

- Obrigada, Suzana... eu.. não sei como te contar, quero que você saiba antes de todos os outros, então vou falar logo.. o Sr. Geraldo... ele... Nossa, como é difícil !  Ele.. faleceu há uma hora atrás. Estava vindo para cá e... um acidente horrível aconteceu...

Meus olhos nublam. Nunca chorei na frente de ninguém, mas desta vez está difícil me conter. Suzana está parada, com um semblante incrédulo.

- Suzana...

Ela não se mexe. Não tem jeito bom de contar, de qualquer forma ela iria entrar em choque, é tão sensível!

- Ana.. minha nossa.. E eu nem agradeci direito a tudo o que ele fez por mim...

Suzana deixa-se cair em uma cadeira e começa a chorar.

- Suzana.. sei que é difícil.. Mas temos de falar logo para todos, antes que comecem a ir embora.

Respiro fundo e abro a porta. Todos os funcionários já estão na recepção e me fitam com olhares assustados. Suzana vem a meu lado, ainda com lágrimas nos olhos.

- Gente... é uma coisa difícil para dizer, mas é preciso. Nosso chefe..mais que isso, incentivador e companheiro.. faleceu quando voltava para cá. Foi um acidente na estrada...acabaram de ligar avisando.

Todos estão alvoroçados. Querem saber quando o corpo chega, preparar alguma homenagem, encomendar flores...alguns se abraçam. Há muitas histórias de vida aqui nesta empresa. O jeito especial do Sr. Geraldo de lidar com a equipe de trabalho marcou, de certa forma, a vida de todos nós. A equipe se organiza, para mandar as condolências à família e tomar as medidas de praxe: flores, coroas, mensagens... A família irá me avisar quando o corpo chegar. É tudo tão irreal.. Vou para casa, ainda meio anestesiada. Enquanto me livro da roupa de trabalho, um pensamento me vem à cabeça: Quem irá substituir o Sr. Geraldo? Como ficará a empresa? 

Várias Facetas, Várias VidasWhere stories live. Discover now