Eu tenho sido culpado de chutar a mim mesmo

15 1 0
                                    

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.



.. E vejo uma jovem, com uma expressão preocupada no rosto.

- Me deixa! Ninguém se importa. Ninguém!

- Bem, estou me importando agora. 

Meu Deus, ela respondeu. Ela é mesmo real! 

- Quer ajuda para levantar?

- Não! Eu me viro sozinho, sempre me virei, suma! 

Levanto rapidamente, não quero ser alvo de piedade! Porém, uma tontura repentina me impede de prosseguir. Sinto algo impedindo minha queda. É a moça, ela ainda está aqui!!!  Por que ela não deixa que eu continue meu sofrimento sozinho? Não preciso de pena. Não preciso!

- Vou buscar um copo de água.

Caramba, essa criatura se aproximou de mim, não se assustou com minhas cicatrizes...e quer me oferecer água.

- Não..deixe que eu... não se...

- Você não tá legal, fica aqui que volto já.

Me sinto um tanto impotente, a tontura mesclando-se com o espanto.Não deixei apenas de ser invisível, tornei-me audível para alguém. Não queria isto, mas ao mesmo tempo não é tão ruim assim ser notado.  Enquanto tento digerir este dia tão diferente entre a névoa cinzenta que tem sido meus últimos anos, lembro que esta pessoa só pode ser real, afinal hoje estou limpo.

- Tome a água pelo menos.
- Obrigado.

Assusto-me com o som da minha própria voz. Há quanto tempo não falo com ninguém fora das casas noturnas? Não lembro. Alguma coisa na voz dessa moça me deixa um pouco mais tranquilo.

- Consegue levantar?
- Sim..sim. Quero ir para casa.

Levanto, mas novamente fico tonto. Quem manda ficar sem comer nada? A tal moça me segura, e quando dou por mim estou caminhando apoiado nela.

- Para onde quer ir?

- Lá.. lá naquela escadaria, subo por lá para ir ao meu apartamento.

- Quer comer alguma coisa?

Caraca, isto está acontecendo de verdade! Estou, mesmo que de uma forma estranha, conversando com alguém, sem ser aquela conversa noturna vazia com pessoas que não lembro o rosto.

- Vou.. vou comer algo lá em casa.

Não tenho nada para comer em casa, mas ela não precisa saber disso. Depois que descansar um pouco darei um jeito nisso. Receber contato humano de alguém com pena de mim não é novidade, isso acontece direto nas baladas. Mas na rua, desse jeito, à luz do dia, é muito diferente. A moça mostra uma preocupação genuína.
Infelizmente ela foi se preocupar logo com um ser como eu, que há muito tempo não tem  um objetivo  na vida a não ser dormir, dançar a noite toda embalado pelo ecstasy e bebidas e dar tapas em baseados durante o dia.

- Espero você melhore logo e que fique bem. Preciso voltar ao trabalho agora. Tchau.. e sei que talvez não importe para você.. Me chamo Suzana. Espero que nos encontremos de novo.

- Victor. Tudo bem, pode voltar ao trabalho. Vou ficar bem.

- Espero que sim... 

Antes de se virar, ela se despede com um sorriso. É sério isso? 
Entro no apartamento e fecho a porta rapidamente,para deixar os acontecimentos estranhos deste dia lá fora. Fico jogado na cama, fitando o teto onde uma aranha pacificamente termina sua teia ao redor da lâmpada. Aconteceu mesmo, não é?  Não, não aconteceu, sequer saí desse quarto. Espera, saí sim. estava sem trocado e com fome. Continuo com fome. Eu estava sonhando. Não, não estava. Estou em crise de abstinência. Não, mas dessa vez não foi devaneio, essa situação aconteceu de verdade. E pela primeira vez em cinco anos, deixei alguém conversar comigo e me mostrei frágil. 

Que sensação estranha....

Será que essa impressão também se apagará, como outras que se diluíram na fumaça dos baseados?





Várias Facetas, Várias VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora