Política

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EM NOSSO MUNDO PARALELO aconteciam coisas que ainda não tinham

ocorrido no mundo de onde havíamos saído. Quando por fim elas aconteciam lá

fora, era como se já soubéssemos, pois alguma versão daquilo já se desenrolara

diante de nós. Éramos como uma plateia provinciana, uma New Haven em

oposição à Nova York do mundo real: um lugar onde a história podia fazer a pré-

estreia do seu próximo espetáculo.

Por exemplo: a história de Brad, o namorado de Georgina, e do açúcar.

Haviam se conhecido no refeitório. Brad era moreno e bonito, de um jeito

insosso e tipicamente americano. O que o tornava irresistível era a sua raiva.

Tinha raiva de quase tudo, e sua fúria chegava a fulgurar. Georgina explicou que

o problema dele era com o pai.

— O pai dele é espião, e Brad tem raiva porque nunca vai conseguir ser tão

duro quanto ele.

Eu estava mais interessada no pai do que no problema de Brad.

— Espião nosso? – perguntei.

— É claro – respondeu Georgina, e não quis dizer mais.

Brad e Georgina ficavam sentados no chão do nosso quarto, cochichando.

Esperavam que eu os deixasse a sós e era isso que eu geralmente fazia. Um dia,

porém, resolvi ficar e xeretar sobre o pai dele.

Brad adorava falar no pai.

— Ele mora em Miami, para poder viajar para Cuba. Ele invadiu Cuba. Matou

dúzias de pessoas com as próprias mãos. E sabe quem matou o presidente.

— Foi ele quem matou o presidente? – perguntei.

— Acho que não – disse Brad.

O sobrenome de Brad era Barker.

Devo admitir que não acreditei em uma só palavra do que ele disse. Afinal de

contas, tratava-se de um louco de 16 anos, tão violento que só dois atendentes

fortes conseguiam segurá-lo. Às vezes passava uma semana trancafiado no

pavilhão sem que Georgina pudesse vê-lo. Depois se acalmava e retomava suas

visitas ao chão do nosso quarto.

O pai de Brad tinha dois amigos que causavam uma impressão

particularmente forte no filho: Liddy e Hunt.

— Esses caras são capazes de qualquer coisa! – afirmava Brad. Dizia isso com

frequência, como se aquilo o preocupasse.

Georgina não gostava que eu o incomodasse fazendo perguntas sobre o pai;

quando eu me sentava no chão, ao lado deles, ela não tomava conhecimento de

mim, mas eu não resistia.

— O que, por exemplo? – perguntei a ele. – Que tipo de coisa eles são capazes

de fazer?

— Isso eu não posso revelar – respondeu Brad.

Pouco depois disso, ele entrou em uma fase violenta que durou várias

semanas.

Georgina não sabia o que fazer sem as visitas de Brad. Como eu me sentia em

parte responsável pela ausência dele, sugeri várias distrações.

— Vamos redecorar o quarto – sugeri. — Vamos jogar palavras cruzadas no

tabuleiro. – Ou então: — Vamos cozinhar alguma coisa.

A ideia de cozinhar a motivou.

— Vamos preparar caramelos – ela disse.

Para mim, era uma surpresa que apenas duas pessoas em uma cozinha

conseguissem fazer caramelos. Sempre pensei que fossem um artigo produzido

em massa, como os automóveis, que exigiam uma maquinaria complicada.

Segundo Georgina, porém, só precisaríamos de uma frigideira e açúcar.

— Assim que ficar no ponto, fazemos bolinhas e as despejamos sobre papelmanteiga

– ela explicou.

As enfermeiras acharam graça em nos ver cozinhando.

— Está se preparando para quando você e Brad se casarem? – perguntou uma

delas.

— Não acho que Brad seja do tipo que queira casar – disse Georgina.

Até mesmo quem nunca fez caramelos sabe como o açúcar precisa estar

quente para ficar no ponto. Pois estava quente assim quando a frigideira

escorregou e eu entornei metade da calda na mão de Georgina, que segurava o

papel-manteiga esticado.

Comecei a gritar, mas Georgina não deu um pio. As enfermeiras vieram

correndo com gelo, unguentos e curativos, enquanto eu não parava de gritar e

Georgina não fazia nada; ficou ali parada, com a mão caramelada estendida à

sua frente.

Não me lembro se foi E. Howard Hunt ou G. Gordon Liddy quem, durante os

interrogatórios do caso Watergate, disse que toda noite colocava a mão sobre a

chama de uma vela até arder, para se certificar de que aguentaria ser torturado.

De qualquer maneira, nós já sabíamos de tudo: da Baía dos Porcos, da pele

queimada, dos matadores capazes de fazer qualquer coisa com as próprias mãos.

Assistimos à pré-estreia – Brad, Georgina e eu –, bem como a plateia de

enfermeiras cujos relatórios diziam mais ou menos o seguinte: "A paciente não

esboçou nenhuma reação após o acidente"; "O paciente continua a fantasiar que

o pai é um agente da CIA com amigos perigosos".


Garota, interrompidaWhere stories live. Discover now