EU ESTAVA SENTADA NO REFEITÓRIO, comendo bolo de carne, quando
uma coisa esquisita aconteceu dentro da minha boca. Minha bochecha começou
a inchar. Quando voltei ao pavilhão, havia um inchaço do tamanho de uma bola
de pingue-pongue na minha cara.
— Dente do siso – disse Valerie.
Fomos ao dentista.
O consultório dele ficava no prédio da Administração, onde há muito tempo,
quieta em um canto, eu tinha aguardado minha internação. O dentista era alto,
mal-encarado e sujo, com respingos de sangue no jaleco e um bigode pubiano.
Os dedos que enfiou na minha boca tinham gosto de cera de ouvido.
— Um abscesso – disse. — Vou arrancá-lo de uma vez.
— Não – disse eu.
— Não o quê?
Ele estava remexendo na bandeja de instrumentos.
— Não vou. – Olhei para Valerie. — Não vou deixar.
Valerie espiou pela janela. — O senhor podia controlá-lo com antibióticos, por
enquanto – disse.
— Podia – disse ele.
Olhou para mim. Mostrei-lhe os dentes, todos. — Está bem – ele concordou.
— Você agiu com juízo – disse Valerie no caminho de volta.
Fazia muito tempo que ninguém me chamava de algo tão lisonjeiro como
"ajuizada". — Aquele cara parecia uma espinha – comentei.
— Primeiro vamos ter de controlar essa infecção – Valerie murmurou entre
os dentes, enquanto destrancava as portas duplas do pavilhão.
No primeiro dia de penicilina, a bola de pingue-pongue virou uma bola de
gude. No segundo dia, a bola de gude tinha se transformado em uma ervilha, mas
meu rosto apresentava uma erupção. Além disso, minha temperatura subiu
demais.
— Agora não dá para adiar – disse Valerie. — E nunca, nunca mais tome
penicilina.
— Não quero ir – argumentei.
— Amanhã mesmo vou levar você ao meu dentista, em Boston – disse ela.
Foi um rebuliço geral.
— Boston! – Polly retorceu as mãos listradas. — Que roupa você vai pôr?
— Você pode ir a uma matinê e comer pipoca – disse Georgina.
— Você pode me fazer um favor? – disse Lisa. — Perto da loja Jordan Marsh
tem um cara que usa um boné azul, desses de beisebol...
— Você podia pular fora em um sinal vermelho e se mandar – disse Cynthia.
— ...O nome dele é Astro – continuou Lisa, que era mais realista do que
Cynthia: sabia muito bem que eu não me mandaria. — Ele vende bolinhas por
um preço bem em conta.
— Estou parecendo um esquilo – observei. — Não vou poder fazer nada.
No táxi, meu nervosismo não me deixava apreciar Boston.
— Recoste-se e conte até dez – disse o dentista. Antes que eu chegasse a
quatro, já estava sentada bem ereta, com um buraco na boca.
— Onde é que ele foi parar? – perguntei.
Ele mostrou o dente, enorme, ensanguentado, pontudo e enrugado.
No entanto, eu me referia ao tempo. Eu estava à frente de mim mesma. Ele
me atirara no futuro e eu não sabia o que tinha acontecido nesse intervalo.
— Quanto tempo demorou? – perguntei.
— Nada, ora – disse ele. — Foi puxar e tirar.
Aquilo não esclarecia nada. — Uns cinco segundos? Uns dois minutos?
Ele se afastou da cadeira.
— Valerie – chamou.
— Preciso saber – insisti.
— Nada de líquidos quentes nas próximas vinte e quatro horas – disse ele.
— Quanto tempo?
— Vinte e quatro horas.
Valerie entrou, toda despachada.
— Levanta daí, vamos embora.
— Tenho de saber quanto tempo isso demorou – insisti. — E ele não quer me
dizer.
Ela me lançou um de seus olhares fuziladores.
— Não demorou muito, posso lhe garantir.
— O tempo é meu! – gritei. — É o meu tempo, e eu preciso saber quanto
tempo foi.
O dentista ergueu os olhos para o teto.
— Vou deixar que você cuide disso – disse, saindo da sala.
— Vamos lá – disse Valerie. — Não me crie problemas.
— Tudo bem. – Desci da cadeira de dentista. — Para você eu não vou criar
problemas.
— Tenho uma coisa para você – disse Valerie no táxi. Era o meu dente, meio
lavado, mas ainda imenso e alheio a mim. — Eu o surrupiei para você.
— Obrigada, Valerie, foi muita gentileza sua. — Mas não era o dente que eu
queria, na verdade. — Quero saber quanto tempo levou – falei. — Está
entendendo, Valerie? Eu perdi um pedaço de tempo e preciso saber quanto foi.
Tenho de saber.
Então, comecei a chorar. Embora não quisesse, não pude evitar.
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Garota, interrompida
ChickLitAS PESSOAS ME PERGUNTAM: como você foi parar lá? O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá. Não sei responder à verdadeira pergunta. Só posso dizer: é fácil.