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Embora já tivesse realizado alguns trabalhos e adquirido um pouco de experiência, Lucas se sentia apavorado. Afinal, participaria do Fashion Rio, um dos eventos mais importantes de moda do país. Desfilaria em uma coleção de roupas de um estilista novato. Seria a primeira apresentação deste estilista nesse evento.

Em uma sala, uma hora antes da apresentação do estilista, modelos masculinos e femininos já se preparavam para o desfile. Entre eles havia um comentário sobre uma pessoa em comum: Lucas. Falavam sobre sua inexperiência, sobre eles não entenderem como aquele modelo que ninguém conhecia conseguira desfilar em um evento como aquele. Lucas percebeu os olhares incomodados com a sua presença, mas não compreendia o porquê. Mesmo intrigado, resolveu se concentrar apenas no desfile e dar o seu melhor. Contudo, um modelo mais ousado aproximou-se e investigou o que todos desejavam:

— E aí, beleza?

Lucas pressentiu que aquela conversa não seria amistosa, por isso respondeu em um tom seco:

— Beleza.

— Sabe o que é, brother? Tô com uma curiosidade. Aliás, a galera toda aqui. A gente quer saber como você conseguiu chegar aqui.

Lucas não entendeu exatamente o que o modelo pretendia com a pergunta, mas teve a certeza de que, naquele momento, ele não era bem-vindo. Tratou de responder mantendo o mesmo tom seco:

— Cara, não sei, por que está perguntando isso? Eu fui chamado pela agência. Foi ela que me colocou aqui. Entendeu agora?

— Calma, brother. Só estou perguntando. Diz qual é a agência então.

Resolveu responder para se livrar de uma vez daquele assunto:

— A Big Models.

— Big Models? Hum. Você não é fraco, não. Conheço o dono de lá. Vou dar uma ligada para ele agora. Sei que ele está por aqui.

Irritado, Lucas se afastou e se dirigiu até a assistente do estilista que ajudava os modelos a se preparar.

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Emílio de Sant foi ovacionado pelo público quando a sua apresentação terminou. Mais uma vez, surpreendia a todos com uma coleção de extrema qualidade e inovação. Os críticos de moda apostavam que aquela coleção fora uma das melhores que ele já apresentara. Chegaram, inclusive, a comentar que aquele desfile seria o melhor do evento. Emílio de Sant desfrutava do melhor momento de sua carreira.

Obviamente, com toda essa repercussão, ninguém mais duvidava que Emílio era um dos estilistas mais importantes e famosos do país. No entanto, era conhecido também pela sua excentricidade. Naquele dia, não poderia deixar transparecer mais uma prova disso. Pedira ao seu mordomo Charles que passasse álcool na cadeira antes de se sentar para assistir ao restante dos desfiles. Brenda, que estava próxima, franziu o cenho ao testemunhar aquela cena tão exótica. Assim, estando o assento da cadeira esterilizado, Emílio então se acomodou.

Chegara a hora. Os modelos estavam prontos. Faltava apenas um sinal da assistente para entrarem na passarela, apresentariam uma coleção de trajes de banho. Vestindo apenas uma sunga de cor preta, Lucas controlava o nervosismo. Estava prestes a realizar um sonho antigo. O sinal foi dado. Os modelos começaram a entrar na passarela. Seus pés, enfim, tocaram o chão. Conquanto se sentisse emocionado, de maneira nenhuma poderia transparecer isso. Havia de ser profissional. E fora. Sabia que sua mãe estava presente, mas não conseguiu avistá-la, já que se encontrava distante demais. Próximos à passarela ficavam apenas renomados profissionais da moda e famosos em geral. Brenda não conseguiu conter as lágrimas ao ver o filho pisar na passarela, ficou feliz por tê-lo ajudado a concretizar o sonho.

Emílio não tinha somente a intenção de acompanhar os desfiles, havia um motivo maior do que esse: escolher dentre os modelos, que se apresentavam durante todo o evento, aquele que se assemelhasse mais com o seu pesadelo; aquele que ajudaria a amenizar o seu ódio; aquele que reconstruiria o mais traumático de seus dias, de sua vida. E Lucas fora o escolhido. Era loiro, alto e de olhos azuis. Bastava apenas mudar o corte de cabelo e seria perfeito. Cutucou Charles e, em voz baixa, disse:

— Escolhi aquele ali, Charles. De sunga preta. Descubra absolutamente tudo sobre ele.

Charles assentiu com a cabeça.

O desfile havia acabado, e o estilista novato agradara o público e os críticos. Os modelos já se desfaziam dos trajes de banho, e Lucas estava extasiado. Permitiu-se, enfim, emocionar-se. As lágrimas começaram a lavar seu rosto quando o modelo que o interpelara antes se aproximou, com um sorriso irônico, e falou:

— Descobri, brother. Agora sei por que está aqui. Foi sua mamãezinha.

Lucas enxugou as lágrimas e retrucou:

— Como assim, cara? — indagou, já perdendo a paciência.

— Sua mãe, meu brother. Não sabia? Foi ela que pagou pra você estar aqui.

— O quê?

— Ué, pensei que sabia. Como você acha que um modelo novato como você poderia desfilar no Fashion Rio? Foi sua mãe, meu véio. Eu liguei para o dono da sua agência. Foi ele que conseguiu um lugar pra você aqui. Mas posso dizer: foi caro, hein. Muito caro.

Naquele momento, a vontade de Lucas era partir para a violência. No entanto, conseguiu se controlar e proferiu:

— Sabe, brother, minha mãe, aquela que, como você mesmo disse, pagou para eu estar aqui, sempre me disse para eu me afastar das pessoas infelizes. As pessoas infelizes, meu brother, são como você. Não são felizes e querem a qualquer custo fazer a outra pessoa ser infeliz como ela. Essa pessoa é tão derrotada, tão infeliz, que perde seu tempo tentando estragar a vida da outra em vez de estar tentando melhorar a sua. Então, meu brother, eu tenho pena de você. Sem te conhecer, sei que você é infeliz. O tempo vai te mostrar que eu estou certo e que você está errado. Um dia, meu brother, ainda vai chegar esse dia.

Aquelas palavras foram cruéis e verdadeiras para o modelo. Realmente traduziram o que ele era: uma pessoa fútil e derrotada que precisava destruir outras para se sentir forte. Sem argumentos, desmascarado e vencido, xingou Lucas e saiu.

Com os olhares que traduziam "você não é bem-vindo aqui", Lucas se desfez das roupas do desfile e saiu da sala. Assim que fechou a porta atrás de si, encontrou Brenda com um largo sorriso. Ao perceber que o filho não correspondeu ao seu sorriso, indagou:

— O que foi, filho?

— Eu já sei de tudo, mãe. Descobri que você pagou para eu estar aqui.

Brenda fez silêncio por alguns segundos. Tratou de falar a verdade:

— Desculpe, meu filho. Mas entenda. Eu fiz isso porque eu te amo.

— Isso não é amor, mãe. É proteção. Você me protege demais. Eu preciso crescer, mas você não deixa. Eu quero e vou chegar lá com meus próprios pés. Como você acha que me sinto agora? Eu me sinto um merda!

— Não fala assim, Lucas. Você está exagerando.

— Exagerando? Olha só quem fala.

— Tá, meu filho. A gente conversa melhor em casa.

Lucas respirou fundo e avisou:

— Eu não vou pra casa hoje. Vou pra casa da Taís. Vou dar um tempo lá. Tô precisando.

Brenda resolveu não insistir. Conhecia o filho e sabia que em momentos como aquele era melhor deixá-lo só. Finalizou, dizendo:

— Tudo bem, meu filho. Vai com Deus.

Lucas não respondeu e foi embora. Encontrou com a namorada na saída do evento e a beijou; caminharam até a moto, que estava no estacionamento, subiram nesta e se foram. Lucas, como sempre, guiava com velocidade. E, naquele dia, após a decepção com a mãe e o estranhamento com o modelo, precisava que algo amenizasse os seus problemas. Decidiu que uns 130, chegando aos 150 km por hora, ajudariam. Nunca esteve tão perto da morte.

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