INTERLÚDIO

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O Del Rey não apresentou falhas, e não houve barreiras policiais ou blitz até saírem de Glésgou e chegarem a São João de Merití.

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Marcos estava temeroso, uma vez que dirigia sem camisa e sangrando em algumas partes, mas mantinha a velocidade dentro dos limites da legislação. Até poderia ter ido mais rápido, pensou, mas já tivera muitos problemas no dia. Não queria uma trilha com mais sangue e, baseado no episódio em que foi surpreendido por Henrique no banco traseiro, não sabia se tinha condições físicas ou psicológicas de manusear sua arma.

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Henrique, por sua vez, estava esperançoso. Era a sua grande chance de mudar de vida, mais uma oportunidade que lhe foi dada e que pretendia não desperdiçar, como todas as outras. Nunca fora muito astuto, sempre sofreu com insegurança e sempre pagou caro pela sua irresponsabilidade, mas já passava da hora de tomar alguma atitude. Gostava de Gisa, era grato por tudo que ela tinha feito por ele, e poder salvá-la em uma situação tão delicada era uma boa maneira de retribuir. Apesar de a sociedade o considerar um marginal (assim pensava), ele tinha princípios. E exatamente esta gratidão e percepção de uma dívida para com Gisele e a sua falta de confiança em Marcos (sobre tudo após ser agredido por ele), além do medo da polícia foi o que impediu que fugisse quando teve oportunidade. Imaginava que podia ser útil. Claro, ninguém precisava saber que ele nem cogitaria servir de escudo caso não tivesse certeza que teria grana e uma rota de fuga...

4

Enquanto Marcos guiava, Gisa observava a cidade vizinha. O Morro do Pau Branco era uma favela de aparência clássica, do tipo que a garota apenas viu pela TV, mas que nunca na vida estivera em algo parecido. Glésgou tinha sua periferia, lógico, mas perto da aparência do bairro em questão, era puro luxo. O plano de Henrique não era ruim, e, além de livrá-la de um problema insolúvel, lhe renderia popularidade. Poderia tentar uma vaga à câmara estadual no próximo pleito, inclusive, pois certamente o caso teria uma grande repercussão. Há males que vêm para bens, é o que seu pai sempre falava quando, após uma turbulência no mercado financeiro, conseguia reverter uma grande desvantagem tendo um lucro maior do que o inicial, e era no que, ironicamente, a garota passava a se inspirar neste momento.

5

Barroso e Eduardo sentiam-se mentalmente exaustos na volta à DP. Não aceitavam que um criminoso tão caótico pudesse estar em sua jurisdição, muito menos que fosse tão complicado detê-lo, seja pela falta de competência da polícia local, uma vez que visivelmente não estavam preparados para tamanha balbúrdia, ou pela ousadia e astúcia do suspeito, que parece determinado a enfrentar qualquer obstáculo em sua rota de fuga. E já havia um corpo conhecido, talvez houvesse pelo menos mais dois antes do desfecho. Barroso não se preocupava com Henrique, era apenas um drogado. Marcos faria um favor ao munícipio se livrando de escórias deste tipo, danosos tanto ao cidadãos de bem quanto ao mundo do crime, mas a vida da vereadora era pelo que ele temia. Era tragicômico uma das maiores defensoras de vagabundos que o Rio já viu estar justamente nas mãos do que ela considerava injustiçados da sociedade, mas a garota era bem popular, e certamente seus eleitores e simpatizantes darão ainda mais trabalho ao policiamento local, com proporções imprevisíveis. À exemplo de Gisa, Barroso também seguia à risca um velho ditado: O Diabo conhecido é o melhor.

A DefensoraWhere stories live. Discover now