CAPÍTULO 4

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1

Até que o SUV dirigido por Henrique sumisse de vista, Barroso não havia se dado conta que perdera tanto o anel quanto o dedo. Tivera sorte, na verdade. Não acreditava que Marcos, com aquele olhar, atirasse apenas para ferir. Poderia ter sido morto!

Como bons urubus, populares já haviam chegado ao local do tumulto. Tiroteio à luz do dia não era algo recorrente em Glésgou, e a curiosidade da população era maior do que o medo.

Um toque no ombro tirou Barroso do seu lamento silencioso pelo dedo com um susto, virando-se rapidamente e perdendo o equilíbrio. Eduardo segurou o chefe pelo terno, evitando uma queda. Mais e mais pessoas se aglomeravam e cacarejavam em frente à DP, e Eduardo teve de gritar para ser entendido:

- Chamei a ambulância, senhor. A garota já está bem, mas necessita de um médico e...

- Garota? [falou Barroso, interrompendo] Claro que precisa de um médico! Ela foi sequestrada! Aquele cara é maluco e...

- Não, senhor. A outra garota.

- Outra garota? Tinha outra garota?

- Sim, senhor. A que veio prestar queixa sobre o assalto de ontem. A que desmaiou.

O delegado não captara muito o que foi dito, até que Eduardo apontou para alguém que só agora saia para o pátio, vestindo um casaco de touca e uma calça jeans com uma mancha escura na cintura.

2

Há vinte minutos da DP, o carro dirigido por Henrique seguia por uma estrada de terra mal conservada, um verdadeiro lamaçal mesmo com a chuva fina que caía, quando Marcos avistou uma vendinha, daquelas que parecem existir apenas em história antigas ou na memória de quem já tem alguma idade. Mas o que chamou a atenção do homem foi um Del Rey bem conservado no estacionamento. Precisariam trocar de carro, e um bom e velho Del Rey seria perfeito. Ninguém desconfiaria de um carro velho.

Marcos mandou Henrique encostar ao lado do velho automóvel, de modo que da porta da mercearia não fosse possível ver muita coisa. Precisava ser rápido, antes que a polícia desse o alerta. Tremendo de medo, mas incomumente seguro, o garoto fez o que seu amigo/ex-amigo/agora chefe mandou.

- Agora [disse Marcos para Henrique, ao estacionar], deite-se no chão e não levante até que perca o carro de vista. Pegue o SUV para você, se quiser.

O Del Rey tinha dois adesivos na parte traseira. Um era o slogan da venda, o que levava a crer que pertencia ao comerciante, o outro era um o símbolo do Meritocratas, o partido rival do PCN. A zona rural nunca foi reduto eleitoral de Gisele.

Rapidamente os três saíram do SUV, e, enquanto Henrique deitava-se ao lado direito do velho carro, mentalmente esperando levar um tiro, Marcos testara a porta do motorista. Travada. Com Gisele sob a mira e sem tempo para ligação direta, decidiu que a solução mais em conta seria convencer o dono do Mercadinho Borges a lhe doar o veículo.

- Suma daqui, Henrique [Marcos dissera calmamente]. É o seu dia de sorte. Quando eu voltar, se você não estiver no mínimo em São Paulo, vai precisar de um transplante de crânio!

O homem agarrou um braço de Gisele, que não ofereceu resistência alguma, e ia encaminhar-se para a lojinha, mas deu meia volta apenas para aplicar um forte chute no abdômem do garoto. Henrique não pôde gritar, perdera todo o ar com o chute do sequestrador. Dobrando-se em posição fetal, tentava respirar em vão, quando recebeu um novo chute, desta vez no rosto. Uma explosão de raios tomou sua visão e um feio corte se abriu nos lábios, que logo incharam com a pancada. O gosto acobreado de sangue inundou-lhe a boca quando ele caiu de costas, olhando suplicante para Marcos, sem poder falar.

A DefensoraWhere stories live. Discover now