CAPÍTULO 3

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1

Pedindo licença e tentando não ser notado, Marcos entrava na sala de Barroso e entregara a Gisele sua bolsa.

- Ei! [falou Barroso, de sopetão] Já não vi você em algum lugar garoto?

- Não que eu me lembre, senhor. [respondeu o motorista, não encarando os olhos do delegado]

Barroso olhava para Marcos pensativo, se perguntando de onde é que conhecia aquele rapaz, estreitando o olhar sob os óculos bifocais, mal prestando atenção em Gisele, que preenchia o cheque com o valor da fiança de Henrique. Então lembrou-se:

- Sim! Claro que te conheço. Você é o Marcos, certo? Trabalhei no presídio central há um tempo atrás, me lembro de você. [inclusive da vez em que foi enrabado e achei que você fosse precisar de um cu novo, pensou em acrescentar, mas não achou de bom tom, embora não tenha contido um sorrisinho]

- Perdão senhor, mas deve estar me confundindo.

- É, talvez... Mas havia um rapaz lá que era a sua cara. Mas foi há muito tempo, sabe? Talvez eu tenha mesmo me enganado [Barroso duvidava, jamais esquecia um rosto. Mas o rapaz parecia ter mudado de vida, e tinha um emprego digno, como o de seu garoto]

- Compreendo senhor, deve ser apenas um mal-entendid...

- Aqui está o cheque! [cortou-o Gisele] Pode liberar o Henrique agora?

O delegado olhava o cheque, preenchido com esmero. Queria, o quanto antes, se ver livre dela. Deles todos, na verdade. E guardara o cheque na sua gaveta. Mais tarde, Barroso o trocaria e daria um churrasco para seus comandados, prometido desde a Operação Desmatamento. Então falou, enquanto se levantava e pegava o molho de chaves:

- Claro, me acompanhem, por favor. Vocês sabem onde fica o xadrez, não tenho dúvidas.

2

A menos de 15 passos de onde estavam, do lado de fora da sala do delegado, Henrique chorava agora copiosamente, mas acalmou-se ao ver Barroso ostentando um chaveiro, seguido por Gisele e Marcos, vindo em sua direção. A vereadora conseguira novamente. Sua bundinha estava a salvo!

Marcos o olhou severamente, e ele entendera a mensagem silenciosa. Bico calado. De qualquer forma, só estava detido por posse de drogas, não haveria como envolvê-lo.

Quando a grade foi aberta ele se atirou aos pés de Gisele, o que chamou a atenção de todos no recinto. A garota chegara a se assustar, não esperava aquela atitude de submissão do rapaz.

- Obrigado! Desculpe! [Dizia ele, ajoelhado e chorando, com o rosto na barriga de Gisele] Juro que não vou mais usar esta merda. Eu juro!

Constrangida, Gisele falou entre dentes:

- Se acalme, ok? Deixa ele tirar suas algemas Henrique. Levanta!

Ele levantou-se, Barroso o liberou das correntes enquanto imaginava quanto tempo ele levaria para ser pego por alguma outra coisa quando um grito acusador surgiu:

- ELE! FOI ELE!

Todos viraram para olhar Bruna Assis, já com calças limpas, apontar o dedo em direção ao recém-liberto.

- Eu não me esqueceria desta jaqueta de couro com esta moto desenhada!

Em pânico, Henrique olhou para Marcos, abriu a boca para falar algo, mas não emitiu nenhum som. O mais velho virou-se e, quando seus olhos se encontraram com os de Bruna, a atendente deu um passo atrás, quase tropeçando em Robson.

- FORAM ELES! [gritava Bruna] Foram eles que assaltaram a Mundo Novo! Aquela jaqueta, aquele olhar...

Bruna respirava descompassadamente, e, na emoção, perdera o equilibrio e o sentidos, sendo amparada pelo colega. Com a atenção momentaneamente desviada para ela, Marcos sacou seu revólver do blazer e puxou Gisele pelos cabelos, colocando o cano do .38 no pescoço da vereadora.

- SAIAM DA FRENTE! [gritou!] Saiam se não quiserem um tapete vermelho na delegacia!

Pegos de surpresa, os cinco policiais de plantão pareciam ter criado raízes. Eduardo Correia, um soldado que há pouco fora transferido para Glésgou, chegou a ensaiar um movimento, descendo a mão para seu coldre na cintura, mas o semblante insano do motorista e a rapidez com que o mesmo, com a pistola, mirou-lhe diretamente a testa tiraram totalmente sua vontade de ser o funcionário do mês. Mais tarde, Correia diria a um jornal que os olhos intimidadores do bandido eram capaz de penetrar na alma.

Barroso assistia a tudo perplexo, perguntando a seus demônios interiores como aquilo seria possível, já que há meio minuto atrás tudo estava mais ou menos sob controle. Gisele, com o olhar petrificado, sentindo-se amedrontada e indefesa, deixava-se levar por Marcos rumo à entrada. Chegou a pensar tratar-se de algum plano maluco do amigo, mas, ao ouvir o clique do .38 ao ser engatilhado, passou realmente a temer pela vida. Ao tentar, num reflexo, puxar o braço de Henrique, cravara as unhas em sua carne. O garoto parecia anestesiado, mas, após ouvir às ordens para andar, seguiu também para fora do prédio. Os transeuntes, curiosos, observavam perplexos o que acontecia na DP.

- Eu não vou voltar para o presídio. Não mesmo! [gritara Marcos para a aglomeração de policiais que timidamente, liderados por Barroso, caminhavam para onde estavam autor e vítima]

- Marcos! [falava a mulher, ofegante] Marcos, meu amigo. Calma, eu vou te tirar desta, não precisa...

Um tiro ribombava ao lado de sua cabeça, a atordoando, interrompendo sua fala e audição. Marcos atirara para o alto assim que chegaram a calçada. Henrique, mais amedrontado que nunca, deitou-se no chão, ao lado do carro, tremendo, molhando as calças como um bebê, o que teria agradado Bruna, se ela estivesse consciente para ver, mas logo recebeu uma ordem do, a esta altura, velho ex-amigo:

- Pega o volante, mijão! E rápido! Não preciso de você, então não teste minha paciência!

O garoto não esperou segunda ordem e correu para o lado do motorista, deu a partida e, antes que Marcos mandasse, destravou as portas traseiras e dianteiras. O homem continuou, berrando para os homens da lei:

- Mantenham-se afastados! Se eu ver alguma sirene pelo retrovisor vai haver uma cadeira vaga na câmara de vereadores e um cova a menos no cemitério!

O horror de Gisele chegava ao ápice, mas, estranhamente, ela achava tudo aquilo um tanto sensual. A forma como Marcos a dominou, a barba por fazer lhe espetando o rosto, o roçar da virilha dele contra o quadril dela... Parecia loucura, mas ela estava ficando (molhadinha? com tesão?) excitada.

Um segundo tiro foi seguido de um grito de dor e surpresa. Sangue derramou-se no pátio da DP enquanto Barroso segurava sua mão direita, ferida pelo disparo. O projétil decepara seu dedo anelar quase cirurgicamente.

- E, é claro que me lembro de você, seu merda! [gritou Marcos] Esta sua mão covarde já quebrou muitos ossos por lá.

Com um empurrão ele jogara Gisa no banco de trás, e disparou mais três vezes para o alto antes de entrar, para desencorajar os corajosos. O atirador ainda encostou o cano quente da arma no pescoço de Henrique, a fim de encorajá-lo a dirigir. Após um grito que mais parecia um urro, o garoto acelerou, saiu cantando pneu pelas ruas de Glésgou, com Marcos guiando-o rumo à zona rural.

Toda a cena não durou mais do que três minutos, mas perduraria na mente dos presentes por um bom tempo.

A DefensoraWhere stories live. Discover now