Exorcismo

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Quando abri os olhos, Kate me encarava do lado do sofá.

 Pulei de susto, com a sua aparição repentina.

 Bufei, tentando recuperar a respiração.

 - Kate. Oi. - Cumprimentei, seca. Ela não respondeu, apenas sentou no braço do sofá e olhou para o chão. Olhei para lá, vendo Arya me encarando, confusa.

 - Tá falando com quem, Sam? Tá maluca? - A garota perguntou. Abri a boca, embaraçada com a resposta, e disse:

 - Hã... Ninguém. Estava apenas pensando alto - Sorri sem graça. Ela ergueu uma sobrancelha, mas depois deu de ombros, voltando a deitar.

 - Onde está Lolla? - Perguntei, tentando mudar de assunto. Ela apontou com a mão para a cozinha, e disse apenas com o movimento dos lábios:

 - Comendo - Sorriu e pegou um livro, que só assim percebi que estava ali, e começou a ler. Voltei meu olhar para Kate, e me perguntei se Arya não a estaria vendo. A fantasma, em resposta, negou com a cabeça.

 Era incrível aquela capacidade que ela tinha, de ler meus pensamentos.

 Admirada, levantei casualmente, e subi as escadas, indo em direção ao banheiro de cima, para falar com Kate.

Abri a porta, e acendi a luz, a fechando logo em seguida, sabendo que a garota ia atravessar a parede e entrar no recinto.

 Assim aconteceu. Me virei para ela, assim que senti o banheiro com uma energia mais fria.

 - Kate. Olá - Sorri, dizendo um pouco mais baixo. A fantasma parecia mais... abatida do que de costume. O olhar mais duro e severo, a pele muito mais gélida, pálida e esquelética, o trapo que usava mais rasgado, e parecia ter pingos de sangue espirrados em sua gola.

 A garota não respondeu. Apenas deu um oi com a mão. Franzi a testa.

 - Tudo bem com você? Parece diferente. - Observei. Ela bufou e olhou para o chão, e eu me apoiei na pia, desconfortável.

 - Hã... Aconteceu alguma coisa? - Perguntei. Kate ergue os olhos para mim.

 - Puuuxa, tá tão na cara assim? - Ela perguntou, irônica, fechando a cara.

 Engoli em seco e de de ombros.

 - Bem, talvez se você me dissesse o que houve - Tentei - Talvez eu poderia ajudar. - Sorri. A outra permaneceu séria.

 Andou um pouco pelo banheiro. Seus passos não existiam. Seu reflexo não se mostrava no espelho. Seus olhos já não tinha o mesmo resto de vida que tinham quando eu a conheci. Era estranho, porque só agora eu parecia perceber isso.

 - Eles fugiram -Kate começou. Ergui uma sobrancelha.

 - Hã...? Fugiram? Quem fugiu? Da onde fugiu? Está louca? O que deu em você? - Eu iria continuar, mas parei. O jeito severo e ameaçador que ela me olhou, fez os pelos de minha nuca se eriçarem.
- Eles. Aquela criança nojenta e Taylor. São maus. Vão fazer de tudo para te derrubar de vez - Kate praticamente rosnou. Me afastei um pouco, devido a sua feição.

 - Hã... Tudo bem - Disse - Vamos ficar juntas, isso que importa, não é? - Sorri, mas ainda assustada com sua reação.

 Os olhos de Kate, sem vida, pela primeira vez, brilharam.

 - Ficará do meu lado? Vai me ajudar? - Ela perguntou, se aproximando de mim. Abri a boca, depois a fechei, olhando para ela.

 - Farei... O que estiver ao meu alcance, Katherine. Mas só o possível. E de maneira que eu esteja segura, porque já tenho muitos problemas com os vivos, imagina com os mortos - Falei sem pensar, um tanto desconfortável. Kate não disse mais nada. Apenas continuou a me encarar, como se fosse possível eu sumir.

 - Então me ajude. - Pediu depois de alguns segundos - Me ajude, porque o que te peço, está ao seu alcance. - Completou.

 Me arrumei, me desapoiando da pia, e ficando da altura de Kate.

 - Ajudo. - Respondi sem pensar - Se for para o bem, meu e seu também, eu ajudo. - Fiquei séria por alguns instantes. Kate abriu um sorriso tímido no canto do lábio.  Devolvi com outro, relutante.

 - Então você precisa me ajudar a fazer um ritual. - Ela completou, soturna.

 Parei, arregalando os olhos.

 ¨¨¨¨

 ¨Agatha¨

 - Eu preciso!!! - Quase berrei, tirando as mãos de Luke do meu braço - PRECISO!!! SONHEI COM ISSO, VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO! - Gritei, o empurrando.

 O rapaz a minha frente, me encarou.

 - Agatha, isso é loucura. Não é porque você sonhou que tinha que fazer um exorcismo, que você tem que fazer realmente. - Ele insistiu.

 Neguei com a cabeça.

 - É sério, garoto! Você não viu o que eu vi! - Exclamei, trincando os dentes.

 - Agatha, pare! Quer que eu seja racional com você? Vou falar o que realmente vejo. Você é uma estranha, que sofreu um acidente, perdeu metade da memória, e de noite tem uma personalidade, de dia tem outra. E agora vem com esse papo, de que tem que fazer exorcismo em Logan?! Por favor, Agatha! Da um tempo! - Luke disse, gesticulando com as mãos.

 Cerrei os punhos.

 - Eu não sei o que acontece comigo, você não acha que eu queria saber também?! Só sei que eu tenho que fazer isso, e vou fazer! - Respondi, indo na direção da porta - E vai ser naquela escola estranha - Completei, rosnando. 

 O rapaz tentou ir atrás de mim, exclamando:

 - Não, de novo não, Agatha, pare ai! - E esticou a mão para me puxar pela manga, mas me desvencilhei e corri mais rápido, passando pela porta e esbarrando em uma enfermeira que carregava uma bandeja prata, com um suco em um copo de plástico, e uma sopa em um pequeno prato. Fiz uma careta e corri.

Eu tinha que fazer um exorcismo. E antes que anoitecesse.

 ¨Logan¨

 "Você não tem mais chances" - Uma voz dizia do meu lado. - Agora você vive para nos servir, apenas. Mesmo que aquela garota bruxa, consiga te livrar de ser possuído por mim, seu corpo não aguentará a tanto álcool, tanto cigarro, tanta droga, que eu fiz você ingerir. E você morrerá. - Ouvi, confuso. A voz parecia serpentear pelo meu quarto inteiro, causando ecos e frases sem nexo na minha cabeça.

 Franzi a testa, tentando focar minha visão no quarto escuro. O que estava acontecendo? Porque os dias se passavam e eu não lembro o que fiz? Porque eu acordo sempre com dor de cabeça, tonto, e minha mãe fica estranha comigo, como se tivesse medo de mim? Porque eu faço coisas que não quero? Porque um dia, acordei segurando uma arma? Eu... Eu me sinto sozinho... Me sinto sem ação... Me sinto... morto.

 Passei a mão pela cabeça, olhando pelo chão, vendo borrões de garrafas de bebida, e drogas espalhadas por todo o lugar.

 Tentei levantar, mas cambaleei para os lados, ainda tonto. Porque aquilo estava acontecendo? Eu já não aguento mais... Preciso tanto falar com alguém...

 Sem poder fazer nada, senti o quarto girar novamente, como nas outras vezes, e tudo ficar apagado. E não consegui ver mais nada a minha frente. Apenas me sentia andando. Andando sozinho.

 

Tem alguém aí? - Volume 1 Onde as histórias ganham vida. Descobre agora