Tenho uma conversa formal - Capitulo 14

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Um gato preto com os olhos verdes arregalados tocava de leve a borda da janela da sala, com uma pata. Saia sangue de sua boca, e pelo seu pescoço, se passava uma corda. As patas de trás estavam cortadas, e o rabo pendia pelo galho da árvore.

Senti vontade de vomitar, Logan fez uma careta, como se seu estômago tivesse se revirado, Lolla estava quase chorando enquanto olhava para o gatinho.

Deu-me vontade de sair correndo, quando vi o que estava escrito na parede embaixo do gato.

"Não é assim que você gosta dos gatos, Helena?"

Engoli em seco, e tentei não pensar que usaram sangue pra escrever aquilo.
- Os senhores vão sair da sala, ou vão ficar ai pela eternidade? - Ouvimos a voz do professor, e quando olhei, o vi apoiado na maçaneta da porta, nos olhando com cara de tédio, provavelmente esperando a gente sair pra ele fechar a porta.

Lolla emitiu um som, que foi sufocado por ela levar a mão à boca e saiu apressada da sala. Caroline me olhou com ar superior, e arrastou Logan pra fora da sala. Luke olhou pra mim, e os seus ombros balançaram e saiu, deixando apenas eu e Josh. Eu caminhei lentamente até a porta, e dei uma última olhada no gato com os olhos mortos e assustados.

Sai direto para o banheiro, mas não o banheiro normal, e sim o dos deficientes. Sei que não era certo, mas eu queria ficar sozinha. Em um lugar sem pessoas estranhas, sombras malucas, gatos mortos, mensagens sem noção.

Entrei no banheiro. Por algum motivo, ele não ficava trancado, o que era estranho, já que não tinha nenhum deficiente na escola.
"Até parece que iam colocar um deficiente nessa escola." O banheiro era maior do que eu pensava. Só que parecia mais sombrio do que eu pensava.

A luz estava apagada o barulho de gota caindo, denunciava que tinha alguma torneira pingando, lá dentro era muito frio e úmido, a cada passo que eu dava, ecoava pelo banheiro todo.

Solitário, triste, como minha vida passou a ser.
Apoiei as mãos na parede fria e sem cor, e suspirei. Olhei para o chão, e vi minhas botas pretas. O chão estava molhado. O que era intrigante, já que ninguém entrava ali.

Ergui a cabeça pra janela, e olhei pra rua do outro lado. Olhei para o céu cinza, me perguntei onde meus pais estariam. E se estariam felizes. Nem tive tempo de me despedir do meu pai, maldita hora que resolvi sair de casa.

Suspirei e me virei, encostando as costas na parede, e escorregando, até sentar no chão.
Senti uma lágrima descer pela minha bochecha. O banheiro estava escuro, de modo que eu só conseguia ver minhas mãos.
Uma meia luz branca entrava do corredor. O chão estava frio.
Foi quando eu pulei. Do meu lado, uma porta rangeu, e abriu.
Arregalei os olhos, e me coloquei mais no canto da parede.
Foi quando vi uma sombra caminhar até onde eu estava. Com dificuldade, enxerguei Agatha. Ela me olhava confusa.

- O que está fazendo aqui? - Eu respirei um pouco aliviada. 

- N-Nada. Hã... Só vim...

- Fugir das pessoas. 

- Mas... O que? 

- Você está aqui por uma só causa. Para fugir das pessoas. Como eu faço, aliás. - Engoli em seco - É Sam. Tem que tomar cuidado pra não ficar igual a mim. Eu comecei me escondendo nos banheiros. Depois, nas sombras... - Ela sentou na minha frente, e eu consegui ver que seus pulsos estavam cortados - E agora... Escondo-me nas trevas. - Ela completou. Eu olhei para o banheiro.

- Aqui não tem nada de trevas. - Eu disse. Ela riu de jeito sem interesse.

- Você é ainda tão inocente Sam. Nesse mesmo banheiro, exatamente há sete anos, morreu um deficiente. Logo ali, no banheiro que eu estava. Sabe como morreu? Não? Eu também não sei. Ninguém sabe. Só se sabe que eu veio aqui, com sua cadeira de rodas, e o encontrado algumas horas depois, com os ossos quebrados. Quem fez isso? Ninguém sabe. Um maníaco, talvez? - Ela terminou de dizer. Eu senti meu rosto queimar.

- E você... Você gosta disso?

- Gosto da morte. Ela é... Fascinante. Mas não brinque com ela. Ela também pode querer brincar com você. - Eu só enxergava a sombra dela, o que fazia o assunto ficar muito mais dramático.

- Quando você perceber que está na beira de um abismo, que criou com as próprias mãos, você saberá do que eu estou te dizendo. - Ela disse. Eu ergui a sobrancelha.

- Do que você está falando?

- Olhe pra trás. Veja suas ações. - Ela disse. Eu pensei.

- Olhe suas ações mais mesquinhas. - Ela insistiu. Engoli em seco, e lembrei-me do tempo que eu machucava os outros que não eram populares na escola. Do tempo que eu maltratava os bichos. Eram ações pequenas, mas agora...

- Você lembrou. Eu sei que lembrou. - Agatha disse, sorrindo, e cortando com um estilete seu pulso. Desviei o olhar, e olhei para o chão.

- Você tem que aprender a ser humilde. E está aprendendo afinal. - Ela disse.

- Mas... Mas eu estou morando com uma família rica! Eu sou humilde! - Eu disse. Agatha riu, esfregando seu tênis.

- Você não era humilde quando levava uma vida humilde. Agora que leva uma vida rica, você está se tornando humilde. Percebe a ironia da vida? - Ela disse. Eu pensei, Me assustando de como aquela menina sabia tanto sobre mim, os olhos dela brilharam, e ela disse:

- Eu sei muita coisa de muita gente Sam e não pense nos seus pais. É difícil pra eles. - Ela disse. Eu sorri desconfortável.

- Sabe aquele gato preto, morto? Era da Helena. Pois é, não admira que ela ficasse tão triste não é? Só posso te falar... Que tem um maníaco na escola. - Ela abaixou a cabeça pra cortar ainda mais os pulsos. Depois levantou os olhos de novo, e disse:

- Ou... Fora da escola. - Ela me encarou por alguns segundos, e se levantou, sorrindo. Ela ia se virar, mas disse:- E, cuidado com as pessoas. Elas são... Loucas. - Ela disse isso, e se virou, saindo do banheiro.

Tem alguém aí? - Volume 1 Onde as histórias ganham vida. Descobre agora