A Moto Branca

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"Poderia quem partiu desse mundo, retornar com algo que era muito apegado, como uma motocicleta?"

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Em um dia de domingo do ano de 2010, a festa dominical de minha cidade ocorria no ginásio esportivo.
A cidade desenvolve-se a cerca de uma rua maior.

Minha casa fica no início da cidade e muito longe de onde se encontra o movimento das pessoas.
O acesso é um tanto quanto sombrio se você tentar caminhar sozinho por uma estrada que ladeia a antiga, e agora seca, lagoa onde várias pessoas morreram.
E mais ainda se você o fizer em uma noite sem lua e quando um bando de moleques destruíra por completo os últimos resquícios de iluminação do local.

Foi exatamente isto que me aconteceu, infelizmente.
Eu havia permanecido até mais tarde na conhecida "domingueira" (nome muito criativo por sinal), saí só e fui para casa.
Nenhum de meus queridos amigos teve o cuidado de me perguntar se havia trazido minha moto e, como de fato eu não havia vindo nela, eu peguei meu rumo caminhando.

A caminhada teve um percurso nada muito aconchegante e, a medida que me distanciava da cidade e chegava ao trecho escuro ao lado da lagoa, a sensação de que estava fazendo algo errado me inflamava o pensamento.
O que aconteceu em seguida é que perdura em minha mente até agora.
No fim da lagoa, momento da caminhada o qual eu já parará de andar apressado, uma moto estaciona atrás de mim.

Dei uma pequena olhadela para ver se era um de meus amigos que voltara para me dar carona, mas não reconheci a moto branca.
O seu ocupante se dispôs a dirigir o farol alto da moto em meus olhos, motivo pelo qual não conseguia enxergar seu rosto.
Suas roupas eram brancas como sua moto e um súbito de apressar-me abateu meus pensamentos.
Mas não tive tempo de dar mais um passo.
O rapaz, que talvez estivesse parado urinando, me chamou: "Ei, quer que eu te leve até sua casa lá no alto?"

- Disse ele e um arrepio me pegou.
Virei rapidamente para ele respondi que não era necessário, pois desejava caminhar um pouco.
Ele procurou insistir um pouco mais e a cada palavra que ele falava tentando me convencer a aceitar sua carona uma sensação de torpor gélido me instaurava terror.
O frio me surpreendeu de repente e quando olhei para trás, no intuito de mandá-lo embora, ele já não estava mais no lugar.
Juro que não ouvi a moto desligando ou partindo dali.

E, depois que o frio havia sido disperso, confesso que corri o mais rápido que pude daquele lugar.
Meu pai se espantou com meu aspecto ofegante ao chegar em casa.
Convenci-o de que estava naquelas condições por ter dançado muito.

Dormi muito mal naquela noite e procurei por explicações nos dias posteriores.
Minha avó me relatou que quando a Lagoa D'anta ainda tinha água, um jovem rapaz chamado Miguel havia morrido ao cair de moto na beira da estrada.
Eu me espantei, pois nunca soube deste fato que rondava meu tão utilizado caminho de retorno ao lar.
De fato, nenhuma cruz marcava o local da morte do rapaz.
Minha avó me explicou que isto se devia ao fato de ele ter morrido no hospital após ter sido levado dali ainda em vida.

Nunca mais eu vi nada de estranho em minhas caminhadas noturnas.
O temor pelo que possa me acontecer fez meu pai me obrigar a voltar mais cedo quando eu estivesse a pé.
Eu obviamente o desobedeço de vez em quando. Mas, acreditem ou não, o sopro de vento gélido ainda percorre meu braço quando eu cruzo aquela estrada sozinho à noite.

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