Trinta e dois

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Outubro nunca pareceu um mês tão ruim quanto este que estou tendo. Ao menos ter tirado seis cravado na prova de matemática trouxe algum respiro de felicidade para minha vida.

Faz duas semanas que Bernardo não fala comigo. Até tentei algumas vezes durante a aula de educação física, onde geralmente não tem ninguém pra nos atrapalhar, mas todas as vezes ele disse que não estava a fim de conversar. Não foi grosso nem nada do tipo, apenas virou as costas e saiu andando. Só que meu coração não entendeu isso e então todas as vezes acabei indo para o banheiro chorar.

Eu não tenho entendido muita coisa nesses últimos dias, pra falar a verdade. Uma delas é o fato de mesmo com toda essa indiferença, pegar Bernardo me olhando quando me viro pra ele. É claro que meu vizinho desvia rapidinho o olhar e finge estar ocupado com alguma coisa. Ainda assim não faz sentido. Se você odeia algo ou alguém vai evita-lo ao máximo, não é? E não ficar olhando de rabo de olho ou acompanhando seus passos, mesmo que de longe, no intervalo (milagre! Eu não disse recreio!). Porque sim, ele tem feito muito isso.

Lucas me falou para eu ter paciência, pelo menos até que a raiva do Bernardo passe. Bom, não é fácil.

Outra coisa que não entendo é a situação dele. No dia seguinte à consulta com Luciana liguei pra ela perguntando como havia sido e a criatura se recusou a me falar sobre a situação do Bê. Segundo ela toda consulta é sigilosa e o próprio Bê pediu para que ela não contasse nada para ninguém.

No começo me enchi de esperança achando que ele queria me fazer uma surpresa. Deixar tudo no mistério e, de repente, TCHARÂMMMMM, aparecer andando. Mas Tathi enterrou todas as minhas esperanças ontem.

Pedindo segredo, ela me contou que ouviu uma conversa entre os pais onde a mãe disse que o caso do Bernardo foi tão grave que ele só um milagre poderia fazê-lo voltar a andar como antes. E pior ainda, ele precisaria ter cuidado para o resto da vida, pois poderia lesionar de novo o joelho. Só que dessa vez, por causa do trauma anterior, talvez fosse ainda mais grave.

A notícia me deixou tão deprimida que nem fui a escola hoje. Não aguentaria olhar para o Bernardo e ver que o dei esperanças à toa, o fiz sofrer mais uma vez. Faz muito sentido que ele me odeie agora.

Vou até a cozinha onde Babéti está preparando o almoço quando meu celular apita na sala. Como acredito ser uma das meninas querendo saber o por que de eu ter faltado, vou até a despensa pegar um trakinas e só quando volto é que olho a mensagem.

Meu coração para ao ver que é do Bernardo.

Bernardo: Mesmo com tudo o que aconteceu não quero que você desista de tentar ser feliz. O futebol pode não fazer mais parte da minha vida, mas o surf pode ainda fazer parte da sua.

98764-3567 Esse é o telefone de uma psicóloga, a doutora Raquel. Tenho ido nela por conselho da Luciana, mãe da Tathi e tem sido bom pra mim. Acredito que vai ser pra você também.

Bom, é só isso.

Sinto tantas sensações diferentes após ter lido a mensagem que paro para pensar melhor. Todas aquelas palavras significam que o Bernardo ainda se importa comigo? Que ainda gosta de mim? Ir à psicóloga seria uma boa opção agora que não vamos mais à praia tentar superar meu medo? Mas alguém tem que pagar pela sessões. Será que eu deveria contar para minha mãe mesmo depois de tanto tempo?

Vou para o meu quarto tentar pensar melhor. Ao me deitar na cama com o biscoito, olho para a mensagem de Bernardo dentro da garrafa.

Lembrar do conteúdo dela acaba influenciando minha decisão. Afinal, coisas não ditas podem ter consequências ruins, como no caso do Bernardo que não avisou a ninguém do São Paulo sobre as dores que estava sentindo.

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