Eu não vim até aqui pra desistir agora!

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Acordei assustada naquela manhã de setembro. Nove horas! Estava atrasada. Peraí, atrasada para que? Eu estava desempregada há quatro meses!

Desanimada (por que não consigo logo um emprego?), fui fazer um café. Olhei a janela: lá fora se via o alegre movimento das borboletas sobre as flores amarelas. Depois do café, forçosamente, eu teria de ir às ruas, bater de escritório em escritório, com meu currículo na mão (depois de mandar vários outros por e-mail), receber vários nãos, voltar exausta para casa e almoçar qualquer porcaria. E à tarde, repetir aquela romaria... Não, disse para mim mesma. Naquele dia, não. Ia ficar em casa, sem nada para fazer, recarregando as baterias. Amanhã eu recomeço, disse a mim mesma. Hoje, vou ficar aqui. Só, comigo. Uma última olhada pela janela, vendo pelo lado de dentro a primavera. Um dia lindo, perfeito para não fazer nada.

Resolvi dar uma volta pela cidade. Naquele dia, só naquele dia, eu não seria alguém procurando emprego, eu não passaria pelas ruas prestando atenção a anúncios. Daria uma trégua a mim mesma. Passei a manhã em casa e fiz um almoço decente, o primeiro em vários meses. À tarde, o passeio planejado. Pena não poder fazer compras! Vivendo daquele maldito salário desemprego, era o básico que deveria escolher: comida, higiene e talvez se possível, alguma roupa. Passei por ruas, calçadas, puxa, quanta gente para todos os lados! Parei em um banco na praça, fiquei olhando aquele movimento todo de gente, o chafariz no centro. Muitos passarinhos rondavam uma dessas estátuas que a gente passa todo dia e não liga para o que elas representam, pois está engolido pela engrenagem que faz a sociedade se mover. Trabalho, trabalho... Eu prometi que não iria pensar nisso, não naquele dia. Os passarinhos tomavam banho no incessante chuvisco que o chafariz proporcionava.Saí calmamente, cantarolando baixinho, pensando na vida daquelas pequenas aves, tão mais simples. 

Já fazia três anos que morava naquela casa. Sozinha, porém independente. Poderia ir para a casa de meus pais, enquanto não arranjasse emprego. Mas sentia que seria um retrocesso. Seria colocar por terra toda a luta por independência que travei durante anos, mesmo considerando a condição em que eu estava. Mas ao mesmo tempo, me sentia revoltada! Faculdade, horas intermináveis debruçada sobre livros, noites elaborando extensos trabalhos... Apresentação do TCC, defendendo tese; pós-graduação, estágio... Para ser ao final conseguir um emprego e ser demitida, sem justa causa, depois de apenas cinco anos trabalhando?!?E pior, o tempo do seguro-desemprego acabando e eu ainda sem conseguir trabalho. 

Aquele dia, havia sido reservado para não pensar no assunto,  mas confesso que estava difícil. Pior era ver um monte de vagas sendo oferecidas, em jornais, cartazes, outdoors, e ouvir gente dizendo que "só não trabalha quem não quer". Alôoo? Eu SEMPRE QUIS trabalhar! Não tenho culpa se a empresa teve de cortar funcionários e por algum motivo não totalmente revelado - já que eu sempre me dediquei bem ao que fazia - meu nome foi arrolado na lista de funcionários demitidos. Droga. A folga acabou sendo quase um dia normal ao final das contas. Não cansei o corpo procurando e batendo em portas, mas minha mente não descansou nada o dia todo.

A tarde estava acabando, e mesmo na paz da praça, me via defrontada, para não dizer afrontada, com a selva de pedra, que já me avisava: no dia seguinte, eu teria de voltar a atender aos apelos do mundo capitalista, batalhar de novo por uma vaga de emprego, nem que fosse para sobreviver pelo menos com a cabeça fora d'água. Pagar as contas, o tributo de ter optado pela independência e ido morar sozinha..

Mas esse gosto, de morar sozinha, ninguém iria tirar de mim. Meu conhecimento, idem. Iria vencer essa cidade, esse sistema, pelos meus méritos. E se não desse certo neste lugar, iria ser em outro. Já que morava sozinha mesmo... O que me impediria de por uma mochila nas costas e me mudar? De uma coisa tinha certeza: depois daquela manhã de setembro, daquele dia dando uma pausa na desenfreada busca por emprego, pude colocar ideias no lugar. Tinha vida, vontade, juventude, e não iria sucumbir. Meu lugar ao sol ainda estava me esperando!

Várias Facetas, Várias VidasWhere stories live. Discover now