-Isso mesmo. Pois é, picharam na parede da sala a mesma frase: obedeça ou morrerá.

-Mas, como eu não vi isso!? - duvidou Miguel, sem querer magoá-la.

-Eu evitei que viesse em casa até que pintassem a parede. Lembra-se que eu pintei a parede da sala de cinza?

-Você disse que queria mudar a cor... Mas por que você quis esconder de mim?

-Eu não queria que soubesse. Eu queria que tudo isso desaparecesse sozinho. É o que sempre quis. Também sei que não acredita que possa ser, bem, o que eu acredito que possa ser.

-Um demônio?-perguntou Miguel.

-É... 

-E isso, seja lá o que for, disse o que você tinha que obedecer? - Miguel só queria mostrar consideração, ainda que não tivesse nenhum interesse em saber a resposta.

-Não, mas encontrei um livro de mitologia na sala. Duas páginas estavam marcadas, a de Nêmesis e de Thanatos.

-Não me lembro de ter ouvido falar.

-Nêmesis é a deusa da vingança e Thanatos é o deus da morte.

-Não é Hades, o deus da morte?

-Não, Hades é o deus dos mortos, ele reina no chamado mundo inferior.

-Bom, parece que a mensagem só foi reforçada, não é? -disse Miguel esforçando-se para manter aquela conversa. Miguel era descrente e ter aquele tipo de diálogo era apenas mais uma prova de como amava Dora.

-Pode ser -respondeu Dora sem convicção.

Miguel olhou Dora com compaixão e amor. Ele sentia-se mal por seu anjo estar passando por tudo aquilo. Não era justo ela sofrer daquele jeito. Nada poderia acontecer ao seu anjo. Ele pegaria quem quer que estivesse por trás disso tudo. Não passava na cabeça de Miguel, nem por um segundo sequer, que isso pudesse ser obra de um demônio. Miguel tinha certeza de que havia um responsável pelas ameaças à sua amada e só queria encontrá-lo para que ele pudesse provar do próprio remédio. Sim, Miguel faria questão de garantir ao culpado muito sofrimento.

Antes de Dora, Miguel não amara ninguém. Nenhuma mulher havia sido capaz de enfeitiçá-lo, como Dora. Para Miguel, Dora era sagrada. A fragilidade de Dora, o branco marmóreo de sua pele, o rosado de suas bochechas, seus perfeitos cachos dourados, o profundo azul dos seus olhos, a boca vermelha, tal qual um botão de rosa, e sua delicadeza de bailarina transformavam-na em um anjo. Ele só a chamava assim e ela sabia o porquê. O olhar de Miguel dizia sempre tudo. Ela conseguia enxergar a adoração fanática que Miguel lhe dedicava de forma transparente. Eu consegui mais do que amor, eu consegui veneração.

Miguel interrompeu os pensamentos de Dora no momento em que pegou em suas mãos e as apertou forte contra o peito, dizendo em juramento:

-Eu estou com você, para sempre, meu anjo.

Dora sorriu e o abraçou:

-Eu sei, aliás, eu tenho certeza disso.

Após alguns instantes em silêncio, Dora retomou a conversa:

-Guel, é horrível ter um demônio à minha espreita. Se você tivesse vivido tudo o que eu vivi, você saberia que não há nada pior nesse mundo. Meu demônio é terrível...

Dora conseguia ver pelo olhar de Miguel que suas aflições não lhe eram interessantes. Estava estampado em seu rosto que ele achava aquilo tudo um monte de baboseira e escutava Dora por amor, puro amor. Dora sabia disso.

-Guel, se voc não está interessado por que me pediu para contar tudo?

-Eu estou interessado- mentiu - Você sabe que me preocupo com você -isso Dora sabia que era verdade.

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