CAPÍTULO XIII

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A buzina veio logo após a mensagem de Talia chegar, avisando que estava à minha espera. Havíamos trocado mensagens algumas horas antes e agora estávamos prontas para ir a um karaokê qualquer da cidade. Eu estava animada com a ideia, mas não buscando explicações além para seu convite, apenas pensando que seria divertido sair e tentar algo novo. Após a conversa com Jullie, eu me sentia mais leve e não mais carregava aquela culpa em mim, como se, de alguma forma, ao sentir atração por Talia e por ela, eu estivesse sendo desonesta com ambas e comigo mesma. Eu tinha tanto a aprender ainda. Mas sentia tantas emoções em meu peito. Era como uma bomba relógio prestes a explodir a cada instante passado.

Confiro minha imagem no espelho e, por aquele mísero segundo, sinto todo o mundo girar em si mesmo. Eu me sinto diferente e os cabelos longos estão jogados para o lado, criando ondas sobrepostas. As pernas estão cobertas por meias-calças pretas e o vestido recai, abaloado e inocente até a cintura, enquanto meus lábios estão coloridos de um preto que combina bem com minha pele afrodescendente. De repente, me pego pensando que eu poderia arriscar, pela primeira vez, algo diferente naquela imagem. O pensamento me escapa, mas sei que está escondido em algum lugar dentro de mim que virá à tona em algum momento propício. Me deixo levar por esse instante e me dirijo porta afora, animada com a perspectiva de ter limpado a casa toda e deixado comida pronta para quando nossos pais chegassem.

– Alguém interessante te esperando naquele carro? – Ella está observando da janela e lhe empurro, deixando que caia sobre o sofá, enquanto ri.

Reviro os olhos e abro a porta. – Não seja ridícula, El. Vá fazer suas coisas; é só uma amiga.

Ela dá de ombros e pega Mia no colo, enquanto me despeço dela.

– Se é só uma amiga, então não tenho com o que me preocupar. – Ela fala como se fosse a irmã mais velha, quando quem deveria fazer esse papel sou eu. – Não demore, hein!

Bato a porta, sorrindo, enquanto ouço suas provocações do lado de fora. Talia abre a porta do carro preto que dirige e fico admirada com o modelo que está em suas mãos. Um Impalla 1977 ressoa reluzente com os estofados e o volante intactos, como se houvesse sido talhado há pouco. Não consigo sequer esconder meu espanto.

– Olá, Harper – Pode ficar à vontade.

E estou olhando admirada para cada detalhe, pois ainda que não seja fissurada por carros e motos, tenho meu interesse neles.

– Seu carro é incrível. – Ela bate contra o volante com carinho e ri. Depois olha para mim e arqueia uma das sobrancelhas.

– Onde vai tão bonita assim? – Ela brinca e eu fico sem graça, disfarçando ao lhe responder:

– Nunca se sabe quem vamos encontrar no caminho, não é?

Devolvo a risada e ela toca no rádio. – Se importa?

E eu meneio a cabeça em negativa, curiosa para saber quem é Talia. E quando o som ecoa entre nós, há uma serenidade gostosa na qual eu gostaria de me entregar. Não conheço a canção e logo estou perdida em pensamentos e criações que me vêm, dançando sobre minha mente sem que eu possa controlá-la. E Talia começa a cantarolar com sua voz de seda e verões, trazendo memórias de uma vida não vivida, mas que eu estou criando em cada compasso que ela comanda e faz existir em mim.

Sinto-me observada e abro os olhos, vendo Talia me fitar, por entre um olhar e outro, enquanto se concentra na direção. Ela ri quando me ajeito e estou arrumando os cabelos volumosos. Não conversamos muito no caminho, mas cantamos juntas algumas canções, embora, na maior parte do tempo, eu a tenha escutado e percebido seus timbres e seus tons. Não demoramos a chegar e, em pouco tempo, ela já tinha atravessado a cidade e estacionava num lugar pequeno e movimentado, com poucas vagas vazias. Eu saio do carro e me ajeito rapidamente, ao passo que ela para do meu lado, me permitindo vê-la por completo. E que visão ela me entrega.

TALIAWhere stories live. Discover now