CAPÍTULO VII

2 0 0
                                    


Não é que eu não tenha falado nada sobre gostar de garotas. Mas também não é que eu o tenha dito a alguém. Não sinto vergonha de quem sou, mas ainda me constrange o jogo, o flerte e escancarar isso a mim mesma me cora apenas pelo pensamento. Então percebo o quão tímida sou, ainda que consiga falar a grandes públicos e me expressar bem com desconhecidos. Também sei que algumas coisas são difíceis de se dizer em voz alta e particularmente, nunca disse amar garotas a mim mesma em tom audível. E acredito que isso faça diferença. Meus poemas e meus textos expressam um pensamento diferente e claramente aberto à ideia, mas nunca me confrontaram sobre a questão. Nem Jeff me interrogara sobre; mas sei que desconfia, sei que sente que há algo. Ainda assim, ele nunca me questionara nada. E eu, aqui, em minha inocência ou receio, também lamento não ter feito nada até então. Não que acredite ser necessário provar minha teoria, pois bem sei a verdade: bem sabemos o que se passa dentro de nós, dentro desse peito de gente, de sentires e amores.

Desde que eu flertara com a garota, eu passara a pensar mais na ideia, mais nesse sentimento que está aqui dentro e que não ousei me aventurar dizer ou viver ainda. Eu procuro histórias e aventuras sobre amores entre mulheres e me deleito na solidão do meu quarto, imaginando suas vidas, seus segredos e seus tempos. Sorrio em silêncio, contemplando e fazendo minha mente circular por tempos que não vivi, mas por amores que tenho em meu peito. Em segredo, sonho sentir os lábios de alguma garota sobre os meus, lábios que me destilariam as mais nobres artimanhas e penso como será a sensação. Não encontro nada em que me basear, mas anseio pelo momento, como quem espera um pequeno milagre, porque, em partes, será a minha pequena aventura, meu grande delírio secreto.

Mas, ainda assim, tudo permanece comigo. Não comento com ninguém, nada digo a qualquer um que me olhe e me indague. Mas também não escondo, porque sinto como se estivesse me traindo. E, de alguma forma, ainda estou.

É nesse momento que eu me dirijo à escola, vestida com as peças que nunca me incriminarão, mas sei que alguns olhares me notam e me sabem: há coisas impossíveis de serem escondidas. Não falo com minha mãe à mesa do café, mas quase nunca se falam nessa família e eu só lamento por eles, por tudo o que estão perdendo, por tudo que preferem ignorar. Eu entro no ônibus, dou bom dia à motorista e me sento em algum banco vazio, próximo à janela, sem dar grandes importâncias a qualquer coisa que me envolva. Há velhas puxando papo com aqueles que se sentam próximos delas, mas eu prefiro ignorá-las hoje. Prefiro a distância dessas marés turbulentas. Hoje, o silêncio me agrada, mas para garantir que não vão me dirigir palavra, ponho os fones de ouvido e me sinto tentada a ouvir 1950 e é o que estou a fazer no segundo seguinte.

É o que escolho fazer agora, nesse momento, nesse meu agora. Deixo que a música termine e comece, termine e recomece infinitamente, mais alta e mais baixa, mas sempre ali, me cantando sobre esses amores maravilhosos e eternos de corpos iguais, de paixões de para sempre. Deliro e caminho para longe, para longe de toda essa sujeira e essa hipocrisia e me embrenho nos sonhos em que esses sentires não são banalizados. Estou sorrindo quando chego à escola, estou sorrindo sozinha, embalada pela canção, por essa suavidade que me faz serena, compassiva.

Leio a mensagem de Jeff de que já está a caminho, que vai chegar atrasado, mas que logo estaria ali, mas a música continua ecoando e se movendo por mim e não me importo em esperar; quero ficar ali e posso fazê-lo por muito tempo. O sinal toca e a agitação começa: pessoas de um lado para outro, adolescentes, como eu, indo e vindo de suas vidas e de seus conflitos, cheios dentro e fora de si, (eu posso ver sua confusão), mas prosseguem com essa coisa maior, sem nome, que todos temos, mas poucos nomeiam. Alguns poucos se importam em esperar – e hoje sou uma dessas –, e não me preocupo com isso. Fico ali, à espreita, em delírios e sonhos e observo cada uma dessas pessoas que vão e vêm, apressadas e confusas, tão cheias de si e do mundo, tão demasiadamente cheias. Eu olho e olho e não me canso de imaginá-las, de criar histórias com seus mundos e com suas vidas, como se'u fosse deus, o deus delas. Fico a criar mundos em que existem, histórias em que são personagens e eu sua criadora e me extasio e me perco com essa ideia. O menino que me cumprimentara outra vez, aquele cujos olhos trocaram olhares com outros garotos, se põe a passar por mim e dizer olá, como se tentasse uma aproximação. Eu lhe respondo, sorriso aberto, então ouço-o dizer que está ansioso pelas minhas orientações de literatura. Agradeço, um pouco corada e, antes que se vá, apresento-me com uma satisfação muito minha.

TALIAWhere stories live. Discover now