CAPÍTULO VIII

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Confesso que estou nervosa para saber como será falar sobre literatura para algumas pessoas, ou nenhuma delas, porque sei que vai ser difícil arrastar alguém para cá. Ainda assim, sento na salinha que a Srtª. Aberdeen disponibilizou para mim e aguardo. Cheguei cedo, mas não me importo; belisco alguns snacks que trouxe comigo e os deixo sobre a mesa, diante de alguns livros abertos e alguns cadernos em que estou escrevendo. Vejo que há coisas demais escritas e tão pouco nexo que as ligue, mas no fundo, todas as línguas falam sobre tormentas e corações.

E meus dedos sabem o que estão escrevendo agora, sabem que os traçados dirão muito mais sobre essas paixões corriqueiras e dúvidas em meu coração do que posso explicar a qualquer um, porque é a escrita o que me liberta e me permite ser o que essa casca dura e apaixonada realmente é. Flerto com a possibilidade de uma aproximação com a garota que me piscara poucos dias atrás, mas não resisto ao encanto de Talia e da forma como ela soa a mim, assim tão passageira, mas tão inteira e real.

Sei que sou um delírio ambulante em busca de saciação de meus desejos adolescentes ocultos, cujos medos insistem em me fazer segurar meus reais anseios e deixá-los livres pelas brisas e tempestades que assolam o mundo, mas falta a coragem em mim. E o que me impede? Ainda não sei como lidar com isso e, talvez, apenas talvez, seja algum bloqueio inconsciente que me faz querer a segurança de poder ser sem temer as consequências. Mas quem se vê livre delas?

E quando olho para as letras criando contornos sobre o papel, sinto que meus lábios abrem um sorriso sentido pensando no caminhar de Talia, seu sorriso enigmático e febril, com as roupas que desafiam todas as normas malditas criadas pela sociedade. Ela é sóbria demais nesses tempos líquidos e distantes e confesso que estou em queda livre por sua performance tão deliciosamente estranha.

Ela me chama a atenção pelos jeitos e pelos trejeitos que são todos ela e me vêm todas as dúvidas e todos os embaraços e vontades que me espreitam há tanto. Deixo que meu celular faça reverberar as músicas que me embalam com aquela suavidade de quem não tem medo e quando ouço a sintonia do mundo na faixa de Cliff's Edge, deixo que o que há em mim escorra para aquele papel, em sangue e carne, dilacerando o que encontrar no caminho, lavando com tinta e papel toda essa minha interioridade obscura e tão admirável.

Pela primeira vez, quero essa paixão em mim, esse fulgor com todos os seus riscos e sei que estou sendo precipitada, que não a conheço direito, que mal a vi ou lhe troquei palavras, mas quero poder fazer isso, quero poder vivenciar isso. E é aqui que eu sinto o poder das palavras me tomarem e me fazerem querer o mundo e seus delírios e não me importo com o quão vá doer lá na frente: é esse querer de agora que me faz ir em frente.

Conforme vejo as palavras e os trechos serem escritos, eu sinto que estou indo para outra atmosfera e que isso me liberta passo a passo, como quem admira a primeira órbita sem saber que será a mais importante da sua galáxia. E eu estou ali, deleitada e silenciosa, cantarolando essa canção que tem me acompanhado e me permitido tanto, me feito em sonhos e criações, inspirando todo aquele amor e aquelas vontades de ser, estar e pertencer sem temores. Escrevo como quem beija, como quem prova e saboreia a última refeição, sorrindo para mim mesma com todas as emoções me rondando o peito e me fazendo vítima cativa e liberta. Eu gosto da sensação e gosto quando ela percorre meu corpo com sua suavidade e sua força, sem medo de que isso vá me ser dor, ainda que o seja um dia.

A batida reverbera na porta, quase ao mesmo tempo em que ouço:

– É aqui a aula de dúvidas de literatura?

E é aquele garoto que me sorri com satisfação e que cora diante de outros meninos que o encaram e trocam olhares. Fico confortável com sua aparição e abaixo um pouco mais o volume da música, quase inaudível agora.

TALIAWhere stories live. Discover now