Capítulo 20

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੭࣪  2O
Taehyung

JENNIE JÁ ESTAVA EM FRENTE AO SUPERMERCADO QUANDO EU CHEGUEI

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JENNIE JÁ ESTAVA EM FRENTE AO SUPERMERCADO QUANDO EU CHEGUEI. ESTAVA BRAVA. Ignorei a cara fechada, entramos no carro e fizemos o trajeto inteiro em silêncio. Levei as sacolas de compra para a cozinha e ainda não tinha começado a guardar as coisas nos armários quando ela apareceu, furiosa e bela, com novas linhas contornando seu rosto, delimitando traços que no mês anterior estavam indefinidos. Seus olhos brilhavam.

— Como pôde fazer isso comigo?!
— Isso o quê? Seja mais específica, Jennie.
— Me trair assim! Me decepcionar!
— Você é muito mimizenta.
— E você é um babaca.
— Posso até ser, mas você se divertiu? Me diz: como é se relacionar com outro ser humano? Agradável? Agora seria a hora de um “Obrigada, Taehyung, por me ajudar a dar o primeiro passo e por ser tão paciente comigo”.

Mas não aconteceu nada disso. Jennie pestanejou para segurar as lágrimas e, cheia de frustração, deu meia-volta e se enfiou no quarto. Fechei os olhos, cansado, e apoiei a testa na parede, tentando me concentrar. Talvez eu
tivesse sido um pouco rude, mas sabia... não, sentia que era a coisa certa a se fazer. Por ela, mas também pelo que eu realmente queria. Porque vê-la daquele jeito, tão brava e magoada, era mil vezes melhor do que vê-la vazia.

Lembrei do que eu tinha pensado naquela mesma manhã: a ideia de ter uma corda na mão e ir apertando, apertando mais... e foi isso que me fez ir ao quarto dela e abrir a porta sem bater.

— Posso entrar?
— Você já entrou.
— Certo. Estava tentando ser educado. — Ela me fuzilou com os olhos. — Vamos direto ao ponto. Eu joguei um pouco sujo? Sim. Foi por uma boa causa? Também. Quero te avisar que vou continuar fazendo isso. E sei que acha que eu sou um ogro babaca insensível que se diverte colocando o dedo na sua ferida, mas um dia, Jennie, um dia você vai me agradecer. Lembre-se desta conversa.

Ela levou a mão trêmula aos lábios e sussurrou que eu fosse embora antes de se levantar, abrir a janela e pegar o fone de ouvido que estava na mesa de cabeceira.


**


Nos dias seguintes, mal nos falamos.

Não me importei. Eu não conseguia parar de pensar nas informações que tinha lido sobre a síndrome do estresse pós-traumático. Pelo menos eu tinha encontrado uma forma de romper aquela paralisia e apatia por alguns segundos, o que era melhor do que nada. Quando Jennie ficava brava, não havia indiferença em seu olhar, e as emoções tomavam conta dela. Então eu continuava puxando a corda devagar, procurando a maneira certa de puxá-la.


**


Oliver veio buscá-la na segunda-feira da última semana de março. Jennie ainda estava no colégio, e eu o abracei mais forte do que das outras vezes, porque estava com saudade, caralho, e porque não conseguia imaginar como seria estar na pele dele. Peguei duas cervejas da geladeira e fomos para a varanda dos fundos. Acendi um cigarro e passei outro para ele.

— Está indo bem com a história de não fumar — disse ele, rindo.
— É ótimo. Libertador. — Expeli a fumaça. — Como vão as coisas em Sidney?
— Melhor do que no mês passado. E aqui?
— Aqui também. Jennie está melhorando aos poucos.

Ele olhou para a ponta do cigarro e suspirou.

— Quase não me lembro mais de como ela era antes. De quando ela ria por qualquer coisa… E ela era tão... tão intensa, que eu sempre tive medo de que ela não conseguisse lidar com as próprias emoções quando ficasse mais velha. E, agora, olha só. Que ironia do caralho.

Engoli as palavras que me queimavam os lábios. Se não tivesse feito isso, teria dito a ele que, para mim, ela continuava sendo intensa em todos os aspectos, inclusive quando se trancava e se obrigava a não sentir nada porque, se o fizesse, sentiria dor pelo que tinha acontecido e culpa diante da ideia de continuar curtindo a vida enquanto seus pais não podiam mais fazer o mesmo; como se isso fosse algo injusto. Oliver tinha assimilado a tragédia a partir de uma ótica diferente; emocional, sim, mas com seu lado prático, quase que como uma obrigação.

Ele chorou no funeral, despediu-se deles e tomou um porre comigo na noite seguinte. Depois, limitou-se a começar a trabalhar, a organizar as contas da família e a cuidar de Jennie, que estava entupida de calmantes.

Eu tinha pensado muito sobre a morte ultimamente.
Não sobre o que acontece quando ela chega, não sobre o adeus que todos nós acabaremos dizendo algum dia, mas sobre como enfrentá-la quando ela leva embora as pessoas que você mais ama. Ficava me perguntando se a tristeza e a dor eram sentimentos instintivos, ou se a maneira como deveríamos digerir essa aflição era algo que nos tinha sido imposto.

Terminei o cigarro.

— Tá a fim? — Apontei para o mar com a cabeça.
— Tá louco? Eu vim direto do aeroporto.
— Vamos, vai ser como nos velhos tempos.

Cinco minutos depois eu já tinha emprestado para ele um calção, uma prancha e estávamos caminhando pela areia. Estava ventando e a água estava fria, mas Oliver não se alterou quando avançamos mar adentro. Alguns raios de sol passavam por entre o emaranhado de nuvens que cobriam o céu e tentamos pegar algumas ondas, apesar de elas estarem baixas e terem pouca força. Pegamos algumas, fazendo manobras curtas e rápidas, e depois deitamos em cima das pranchas, de frente para o horizonte.

— Conheci uma pessoa — disse Oliver de repente.

Olhei para ele surpreso. Oliver não “conhecia mulheres”, ele apenas “ia para a cama com mulheres”.

— Uau, por essa eu não esperava.
— Mas tanto faz porque não vai rolar.
— Por quê? Ela é casada? Ela te odeia?

Oliver riu e tentou me derrubar da prancha.

— Não é uma boa hora para começar um relacionamento; daqui a uns meses eu volto para cá e tem a Jennie, as responsabilidades, o lance de dinheiro, muitas coisas... — Ficamos em silêncio, cada um pensando na própria vida. — Você ainda sai com a Madison?
— Às vezes, quando estou entediado, o que quase não acontece mais, agora que trabalho como babá em tempo integral.
— Você sabe que a minha dívida com você é eterna, né?
— Cala a boca, não fala merda.

Saímos da água e vi a bicicleta de Jennie ao lado da pilastra de madeira na varanda. Quando Oliver a encontrou na cozinha, abraçou-a com força, mesmo com a roupa molhada e sob os protestos de Jennie. Ele se afastou um pouco e, segurando-a pelos ombros, observou-a devagar.

— Você está com uma cara boa.

Jennie deixou escapar um sorriso.

— Você não. Deveria fazer a barba.
— Eu estava com saudades, pequena.

Voltou a abraçá-la, e, quando nossos olhares se cruzaram enquanto ele a apertava contra o peito, vi a gratidão refletida em seus olhos; porque ele sabia... nós dois sabíamos que ela estava melhor, um pouco mais animada.


𖹭

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Tudo o que nunca fomos  𑁯 𝐉𝐍𝐊 + 𝐊𝐓𝐇Where stories live. Discover now