Capítulo O1

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Janeiro
𑁯 Verão

Janeiro𑁯 Verão

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੭࣪ O1
Taehyung


EU ESTAVA DEITADO NA PRANCHA DE SURFE ENQUANTO O MAR SE MOVIA LENTAmente à minha volta. Naquele dia, a água cristalina parecia represada em uma piscina infinita; não havia ondas, nem vento, nem ruídos. Eu podia ouvir minha própria respiração tranquila e o barulho das ondas cada vez que afundava os braços na água, até que parei e apenas fiquei ali, sem me mexer, com o olhar cravado no horizonte.

Poderia dizer que estava esperando o tempo mudar para pegar uma onda boa, mas sabia muito bem que não haveria nenhuma naquele dia. Ou que estava só esperando o tempo passar, algo que eu fazia com frequência. Mas me lembro que o que eu estava fazendo mesmo era pensar. Sim, pensar na minha vida, pensar que eu tinha a sensação de ter alcançado todas as metas e de ter realizado um sonho atrás do outro. “Estou feliz”, disse a mim mesmo. E acho que foi o tom que ecoou na minha cabeça, aquele ponto de interrogação, que de repente me fez franzir a testa, sem tirar os olhos da superfície ondulante. “Estou feliz?”, questionei. Não gostei daquela dúvida que pareceu se agitar na minha cabeça, vívida e exigindo minha atenção.
Fechei os olhos antes de me afundar no mar.

Depois, com a prancha debaixo do braço, voltei para casa caminhando descalço pela areia da praia e depois por uma ruazinha cheia de mato. Abri o portão com um empurrão, porque ele vivia emperrado por causa da maresia, deixei a prancha na varanda dos fundos e entrei.
Coloquei uma toalha dobrada na cadeira e não me vesti para sentar na minha mesa de trabalho, que ocupava um lado inteiro da sala e estava um verdadeiro caos. Para qualquer pessoa normal, pelo menos. Para mim, era o cúmulo da organização. Papéis cheios de anotações, outros com testes descartados, e o restante com traços sem sentido. À direita havia um espaço mais limpo, com canetas, lápis, tintas. Em cima, um calendário rabiscado onde eu anotava os prazos de entrega e, do outro lado, o meu computador.

Dei uma olhada no trabalho acumulado e respondi alguns e-mails antes de decidir continuar com o projeto que tinha em mãos, um folheto turístico da Gold Coast.
Era básico, com uma ilustração de uma praia e ondas de linhas curvas sob as quais surfavam algumas sombras com poucos detalhes. Meu tipo de trabalho preferido: simples, rápido de fazer, bem pago e bem explicado. Nada de “pode improvisar” ou “queremos ouvir suas sugestões”, mas um simples “desenha uma merda de uma praia”.

Depois, fiz um sanduíche com os poucos ingredientes que restavam na geladeira e tomei o segundo café do dia, frio e sem açúcar. Estava prestes a colocar o copo na boca quando bateram na porta. Eu não gostava muito de visitas inesperadas, por isso deixei o café no balcão da cozinha com a cara fechada.
Se naquele momento eu soubesse o que viria com aquelas batidas, talvez tivesse me recusado a abrir a porta. Mas a quem eu quero enganar? Nunca teria dado as costas para ele. E teria acontecido, de qualquer forma. Antes. Depois. Que diferença faz? Eu tinha a sensação de que, desde o início, era como jogar roleta-russa com todas as balas carregadas; com certeza alguma delas me atravessaria o coração.

Ainda estava com a mão no batente da porta quando vi que aquilo não era uma visita de cortesia. Me afastei para deixar Oliver, taciturno e sério, entrar. Acompanhei-o até a cozinha, perguntando o que tinha acontecido. Ele ignorou o café, abriu o armário alto onde eu guardava as bebidas e pegou uma garrafa de brandy.

— Nada mal para uma terça-feira de manhã — observei.
— Eu tô com um puta de um problema.

Esperei sem falar nada, ainda usando só o calção de banho que tinha colocado quando acordei. Oliver estava de calça comprida e uma camisa branca por dentro; o tipo de roupa que jurou que nunca usaria.

— Não sei o que fazer, não consigo parar de pensar em alternativas, mas já esgotei todas e acho que... acho que vou precisar de você.

Isso me pegou; principalmente porque Oliver nunca pedia favores, nem mesmo a mim, que era o melhor amigo dele desde antes de eu aprender a andar de bicicleta. Não pediu quando viveu o pior momento da vida e recusou quase toda a ajuda que ofereci, fosse por orgulho, porque achava que era um incômodo ou porque queria provar a si mesmo que podia cuidar da situação, por mais difícil que fosse.
Talvez, por isso, não hesitei:

— Você sabe que faço qualquer coisa de que precisar.

Oliver terminou a bebida em um gole só, colocou o copo na pia e ficou ali, com as mãos apoiadas dos dois lados.

— Vão me mandar pra Sidney. É temporário.
— Que porra é essa? — Arregalei os olhos.
— Três semanas por mês, durante um ano. Querem que eu supervisione a nova filial que vão abrir e que volte pra cá quando tudo estiver estabilizado. Eu queria poder recusar a oferta, mas, porra, vão dobrar o meu salário, Taehyung. E agora preciso disso. Por ela. Por tudo.

Ele passou a mão pelo cabelo, nervoso.

— Um ano não é tanto tempo… — eu disse.
— Não posso levar ela comigo. Não tem como.
— Como assim?

Sejamos sinceros, eu já sabia o que significava aquele “não posso levar ela comigo”, e fiquei com a boca seca. Porque eu também sabia que não poderia dizer não, porque eles eram duas das pessoas que eu mais amava no mundo. Minha família. Não a família em que nasci, com essa estava tudo bem, mas a família que eu havia escolhido.

— Sei que o que estou te pedindo é um sacrifício. — Sim, era mesmo. — Mas é a única solução. Não posso levar ela comigo para Sidney agora que ela voltou para o colégio depois de ter perdido o último ano. Não posso nesse momento afastá-la de tudo que ela conhece. Vocês são tudo o que nos resta, e seria uma mudança grande demais. Deixá-la sozinha também não é uma opção; ela tem crises de ansiedade, pesadelos e não está... ela não está bem. Jennie precisa voltar a “ser ela mesma” antes de ir para a faculdade no ano que vem.

Esfreguei a nuca enquanto imitava o que Oliver tinha feito minutos atrás e abri o armário para pegar a garrafa de brandy. A bebida aqueceu minha garganta.

— Quando você vai? — perguntei.
— Em algumas semanas.
— Caralho, Oliver.

𖹭

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Tudo o que nunca fomos  𑁯 𝐉𝐍𝐊 + 𝐊𝐓𝐇Where stories live. Discover now